terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Viva o Inutensílio de Paulo Leminsky


A Ditadura da Utilidade
A burguesia criou um universo onde todo o gesto tem que ser útil. Tudo tem de ter um para quê, desde que os mercadores, com a Revolução Mercantil, Francesa e Industrial, substituíram no poder aquela nobreza cultivadora de inúteis heráldicas, pompas não rentáveis e ostentosas cerimônias intransitivas. Parece coisa de índio. Ou de negro. O pragmatismo de empresários, vendedores e compradores mete o preço em cima de tudo. Porque tudo tem de dar lucro. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o lucrocentrismo de toda essa nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem de dar lucro. Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza.

Além da Utilidade
O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriagues. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificações nem de justificativas.

Todos sabem que elas são a própria finalidade da vida. As únicas coisas grandes e boas, que pode nos dar esta passagem pela crosta deste terceiro planeta depois do Sol (alguém conhece coisa além? Cartas à redação).

Fazemos as coisas úteis para ter acesso a estes dons absolutos e finais. A luta do trabalhador por melhores condições de vida é a luta pelo acesso a esses bens, brilhando além dos horizontes estreitos do útil, do prático e do lucro.

Coisas inúteis (ou in-úteis) são a própria finalidade da vida.

Vivemos num mundo contra a vida. A verdadeira vida. Que é feita de júbilo, liberdade e fulgor animal.

Cem mil anos-luz além da utilidade, que a mística imigrante do trabalho cultiva em nós, flores perversas do jardim do diabo, nome que damos a todas as forças que nos afastam da nossa felicidade, enquanto eu ou enquanto tribo.

Poesia? Pra Quê?
Felizmente, pra nada.

Foi o que respondi a um repórter que, um dia, me perguntava pra que servia a poesia.
Servir pra quê?
Num mundo onde tudo serve para alguma coisa, fundamental que algumas não sirvam para nada.

A poesia é o princípio do prazer no uso da linguagem. E os poderes deste mundo não suportam o prazer. A sociedade industrial centrada no trabalho servo-mecânico, compra, por salário, o potencial erótico das pessoas em troca de performances produtivas, numericamente calculáveis.

O Indispensável In-Útil
As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. Serviço militar. Dar lucro. Não enxergam que a arte é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo de liberdade, além da necessidade. As utopias são sobretudo obras de arte. E obras de arte são rebeldias.

Pra que por quê?

Um comentário:

Evora disse...

Nada mais util do que arte.
Serve ao espírito, a alma.
Serve aos olhos de quem vê.
É a maior forma de expressão.

Inutilidade? jamé