terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Peru de Natal com mutação genética

O peru não cabe na geladeira. É um peru radiativo vindo do Japão radiativo. Soubera que os cargueiros japoneses que vêm ao Brasil para se abastecer de minérios, como precisam de peso na vinda- quando estão vazios- são preenchidos por água do mar do Japão e no porto brasileiro, onde esta água é esvaziada e o minério tupiniquim embarcado, a água está contaminada de radiatividade- proveniente do Japão. Mentira-sobre o peru, não sobre a radiatividade. O peru deve ser simplesmente um peru brasileiro, é imenso porque perus são imensos. Loucura é a gente comer um bicho destes no natal de 40 graus do Rio de Janeiro. O peru não cabe em lugar nenhum, vai caber no nosso estômago por causa de quê?


Pensou nos sem teto que fotografara ontem numa espécie de almoço-manifestação. Com certeza eles iam gostar deste monstro. Ou não. Achou aqueles sem teto muito exigentes. E por que não seriam? Todo mundo é exigente e qualquer pessoa com um pingo de juízo quer o melhor para si. Inclusive os sem teto. Ser sem teto não quer dizer sem noção. O que se come a gente tem de prestar atenção no cheiro, no gosto. Miseráveis são aqueles que comem qualquer coisa, sem sentir o gosto nem cheiro de nada, esta sim, uma miséria sem remédio.



A charge que vira no Facebook sobre o holocausto dos perus era muito engraçada. Deus dizendo “Não matarás” e depois berrando com o pessoal que no natal come perus “qual era a parte que eles não haviam entendido". Ora, não é bem assim. O Deus dos judeus disse: não matarás o teu semelhante. Eles eram tribos guerreiras e não gostavam dos outros, os que não eram judeus. Não tinha problema, para este Deus dos judeus, que os judeus matassem alguns outros caras pertencentes a outras tribos e muito menos haveria problema em matar perus, que definitivamente não são nossos semelhantes. Certamente Deus não era vegan. Especialmente este Deus malvado que mandava matar o primogênito do sujeito só para ter certeza de que seria obedecido cegamente.


Era natal e tudo o que ela queria era que o natal passasse logo. Sua mãe é quem gostava de natal, de árvore de natal, presépio e tal. Ela queria mesmo era desmontar a árvore e bater no Papai Noel, porco capitalista. Falava mal dos Black Blocs mas a verdade nua e crua é que volta e meia tinha desejo de quebrar tudo e, se dependesse dela, começava pelo Papai Noel que só visitava as criancinhas ricas. Mas lá ia ela, como boa filha, respeitar o desejo de sua velha mãe e fazer o tal natal.

Pra que este negócio de natal afinal? Onde é que estava o espírito cristão nos shopping centers abarrotados e com aquela gente em frenesi consumista? Cadê a solidariedade, nem que fosse só no trânsito? Qual o sentido de encher a pança com toda aquela comida e mostrar fartura para quem também tem mesa farta? Tudo o que ela queria era estar longe, imaginava neve, imaginava pinguins. Ushuaya era um bom lugar para se estar no Natal. No próximo natal iria para o fim do mundo conversar olhar para os azuis dos icebergues e ver o sol da meia noite. Se até lá houvesse algum.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Azul é Realmente A Cor Mais Quente

Azul é mesmo a cor mais quente moçada. Todos em fotografia aprendemos que, ao contrário do que o leigo crê, a temperatura das cores que vão para o vermelho são mais frias e indo para o azul, ficam mais quentes. Para mim, o que houve de mais espantoso na minha sessão de cinema foi ver a quantidade de gente que vai embora nos primeiros dois minutos de cenas de sexo do filme- que na verdade tem sete minutos. Ou seja: o pessoal- que consegue assistir a filmes cheios de violência, cheios de sangue, cheios de catástrofes, cheios de tudo quanto é tipo de coisa assustadora e/ou escatológica- não consegue assistir a uma cena de sexo com duas atrizes belíssimas, onde as tomadas de câmara são bem enquadradas, bem focadas, tudo com perfeição.


A parte dois do meu espanto é saber que se 9 entre 10 homens têm fantasias sobre ver duas mulheres fazendo sexo entre si, 9 entre 10 homens na platéia do filme ficam visivelmente constrangidos, tanto é assim que nesta parte rola um zunzum no escurinho do cinema digno de nota.


Esta cena de sexo entre o casal- uma menina de 15 anos que se apaixona por uma artista plástica um pouco mais velha- levou dez dias para ser feita, houve reclamações por parte das atrizes porque justamente ela era repetida à exaustão e quando o filme ficou pronto, as atrizes ficaram chocadas com o resultado. Para quem não leu crítica alguma de cinema, a cena é tão bem feita que parece realmente que as atrizes estão fazendo sexo de verdade. Nenhum filme pornô com duas mulheres transando consegue ter tanto impacto e tanto realismo quanto esta cena. Os filmes pornôs sempre parecem falsos, mesmo quando se vê o pessoal jogando sêmen nas câmeras. Já esta cena, é de um realismo impressionante e a gente fica se perguntando como é que eles tinham conseguido fazer a cena.


O ruim desta cena é que ela toma o filme. Toda a polêmica em torno de Azul É A Cor Mais Quente acaba sendo mais sobre esta cena do que sobre um drama que não se restringe a casais lésbicos.


O drama central do filme é universal. E é muito bem elaborado: como a paixão é imprevisível e a gente se apaixona justamente porque não deve, e depois, a situação de abandono e rejeição sem saída onde uma pessoa sabe que será trocada por outra, independente de tudo o que ele(ela) possa fazer.


O filme é genial. Mas talvez o diretor Abdelatif Kechiche seja um Bertolucci da vida- segundo o que denunciou Maria Schneider sobre O Último Tango em Paris ela teria sido realmente estuprada por Marlon Brando ali, diante da câmera e portanto, o choro e tudo o mais, era real.



Sendo assim, vem a pergunta: até que ponto um diretor pode ir para alcançar o sucesso? Maria Schneider nunca mais conseguiu fazer nada sem ser associada a este filme. Era uma mulher muito jovem e imatura que teve uma história depois disto cheia de problemas. Bertolucci e Brando foram muito bem sucedidos. Mas e a vida daquela atriz, podia ser destruída em nome do cinema? Pergunta que se estende à fotografia e a muitas outras áreas da arte onde às vezes coisas semelhantes acontecem.

domingo, 22 de dezembro de 2013

sobre o filme A Vida Secreta de Walter Mitty

A Vida Secreta de Walter Mitt poderia ser também nomeada de A Vida Secreta de Hollywood. Quase não assisto mais os filmes hollywoodianos porque sinceramente me parecem extraordinariamente previsíveis, aquela coisa certinha onde a emoção vem na medida certa de uma gargalhada só que não deixa a gente mal na foto e uma lágrima que não estraga a maquiagem.


Este filme é especial, logo de cara porque tem fotografias espetaculares. Ora tinha de ser assim porque afinal trata-se de uma ficção em cima da revista real Life quando foi transformada num projeto on line. A revista Life era meu sonho de consumo. Eu queria trabalhar para eles, eu queria fazer qualquer coisa para eles. Mas não dava. Eu era criança. E fotografia antigamente era uma coisa para ricos, tudo era caro, da máquina à revelação, passando pelo filme. Então este projeto de trabalhar para a revista Life ficou para escanteio junto com o de ser cientista, aeromoça e médica.


Além da fotografia, o filme é sobre pessoas que muitas vezes não são exatamente "boas da cabeça" ou lá muito descoladas e sociáveis mas que eventualmente podem ser as que fazem a diferença na qualidade final de um produto, no caso do personagem do filme, sobre a qualidade da revista Life e suas incríveis fotografias. O personagem Walter Mitty definitivamente não tinha presença de espírito, não tinha savoir faire, não se enturmava, era um cara esquisito- um cara esquisito com uma sensibilidade toda especial e um nível de comprometimento com o que fazia muito alto.


Fiquei receosa que Ben Stiller estragasse o filme. Eta ator canastra este. Mas não. Ele fica bem no filme, não sei como exatamente, mas deu pra aproveitar até a canastrice do Ben Stiller.


Hollywood ainda acerta a mão

filme Jovem e Bela

O filme Jovem e Bela tem aquelas imagens que valem por zil palavras. Silencioso, vai de fato em fato sem explicação, sem blablabla, quase mesmo como que quem tivesse feito o filme fosse a adolescente contemporânea. Moça, jovem e bela, conforme diz o título, às vésperas do seu 17o aniversário, cheia de tesão, encontra nas suas férias de verão com a família, garotão alemão bonitão com quem decide se livrar do problema: a virgindade. Garotão, bonitão porém incompetente no sexo, só passa a mão na cabeça da moça e anda de mãozinha dada com ela. Moça acha o sexo um tédio, talvez até um pouco desagradável. Claro. O cara não fez nada para ela gozar. Em pleno tempo de google, nem googlou pra saber como é que se faz uma mulher ter orgasmos. Só penetrou e fim.


Próxima cena, a moça a caminho de um quarto num hotel onde fará sua estréia como prostituta. Faz sentido: o orgasmo é uma forma de "recompensa" no sexo. Os homens procuram sexo porque têm a facilidade de gozar, estão sendo sempre "recompensados", podemos até falar que às vezes mais, às vezes menos, mas não costumam ter problemas nesta área, salvo se estiverem com a saúde abalada ou alguma questão relativa à parceria no assunto. A personagem no filme, que não gozou, decide ser paga em espécie e segue para o negócio arriscado da prostituição. Creio que o raciocínio da pequena foi simples: melhor algum ganho do que nenhum ganho.


A fêmea humana é uma das poucas- desconfio até que possa ser a única- a ter orgasmos. Claro que o processo feminino necessariamente é mais complexo do que o do macho- tanto é assim que todas as espécies mamíferas o macho sempre goza e as fêmeas não. As fêmeas das outras espécies têm cio, mas não gozam. A espécie humana é fabulosa, dentre outras razões, porque goza. Mas não é um processo tão simples e evidente como o do homem. Homens que não querem ter trabalho não devem mesmo buscar parceiras mulheres porque mulher dá trabalho mesmo.


O filme pode ser entendido de mil maneiras, podemos pensar num conflito edipiano entre a moça, o padrasto e a mãe, pode ser visto em toda a sua dimensão dramática no confronto da mãe e da filha, mas da forma como entendo, a saída da jovem para a prostituição foi de uma simplicidade devastadora. Realmente, bastam as imagens para esclarecer a situação.

domingo, 15 de dezembro de 2013

A cantar hei de levar a vida

Gosto de histórias com finais felizes


Respeito cabelos brancos


Protejo crianças


Dou voz aos animais


Aprendo todos os dias a ficar contente
com todas as belas e pequenas coisas que me cercam


Minha vida é sempre uma maravilha


Aprendi com o tempo a chorar muito
e nadar no mar das minhas lágrimas


A inteligência ainda é a melhor arma


Eu sei que levamos muito tempo para construir
as coisas que realmente importam

O inseto é neto de outro inseto
é preciso saber de cor as canções
porque realmente quem canta
encanta o mundo

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Gordinhos Unidos Jamais Serão Vencidos


Vem aí o Natal e antes todas estas festas onde o pessoal realmente conta que a gente, por ser gordinho, vá funcionar como uma espécie de peixe limpa-fundo. Comeremos todos os pudins, todos os pavês, todas as rabanadas, repetiremos o peru, a farofa, o arroz e até a azeitona assassina. Tudo porque realmente gostamos de comer e porque somos viciados em sermos a alegria das festas.

O que é uma festa de natal só com gente magra que come só as alfaces, os tomates, uma única porção do peru, uma única colher de farofa, nada de arroz e uma unidade pela metade de pudim com zero rabanada se não um fiasco e o diploma de mau cozinheiro ao cozinheiro e de mau anfitrião ao anfitrião?

O gordinho é o personagem que garante o sucesso da festa. Mas será a festa o sucesso do gordinho, que depois vai ter dor nos joelhos, nos pés, na coluna por excesso de peso, vai ter que controlar o açúcar, correr o risco da diabete, correr o risco das doenças cardiovasculares e toda uma penca de problemas que só acontecem porque o sujeito gordinho é gordinho?

Querido Colega Gordinho, você definitivamente vale não pelo que pesa ou pelo que come, mas por seu astral, por sua alegria contagiante, por sua capacidade de empatia e solidariedade. Você não precisa ser gordinho para assim amortizar as durezas do mundo com seus braços tão gostosos quanto travesseiros. Quem realmente torna o mundo mais doce é a sua própria doçura e sua doçura vem do seu coração e não do açúcar dos sorvetes e pavês.

Se você desejar emagrecer, emagreça, você pode. Mas se não desejar, não o faça. Você não TEM QUE ser magro. Até porque problemas de joelho, pés e coluna, diabetes e doenças cardiovasculares acontecem com gente magra também. Você pode ser magro- se desejar. Tudo o que é bom em você, continuará em você porque estas qualidades que você adquiriu por força de tantos pudins agora são suas, mesmo depois que se foram os pudins. E talvez estas qualidades nada tenham a ver com pudins. Talvez tudo já estivesse aí, o pudim tenha sido só um gatilho.

A ciência ainda não descobriu a chave do bom astral dos gordinhos.

Mas de qualquer maneira, caro colega gordinho, neste natal muito cuidado com a azeitona assassina. Tem gente que não tem dó de gordinhos e bota vodu nas azeitonas só para nos prejudicar.

domingo, 24 de novembro de 2013

Eu gosto da chuva


gosto das cores da chuva
do cheiro e dos pingos pingando
gingando pelas calçadas
os guarda chuvas coloridos
os corpos mais unidos
somos enfim quase plantas
e sonhamos um tempo sem relógios
onde a chuva faz o tom das canções
que o vento traz

domingo, 17 de novembro de 2013

Minha Convidada

Às vezes convido a tristeza para tomar chá na minha casa. A tristeza fala Francês e me diz "La pluie tombe. Mais la pluie est le son des gouttes de pluie. Le bruit de gouttes de pluie est différent du bruit des mot dans la bouche de l'orateur. Je recherche de mots qui apportant la joie de plantes en silence sous la pluie qui tombe. Je cherche de mots transparents comme le vent que pousse les nuages que apportent la pluie". A tristeza é poeta. Tem cabelos muito compridos e depois que ela se vai, fica espalhado pela casa um pouco de seu perfume. O perfume das pedras molhadas de um rio.

sábado, 9 de novembro de 2013

Baía de Todos os Barcos

um mundo sem barcos seria um mundo muito sem graça

não sei quantos barcos já fotografei

mas me parecem poucos

sempre haverá desejo por outros barcos outros mares e outros ventos

havendo ou não a máquina para tirar o retrato

a poesia do barco está fora do enquadre
talvez barcos tenham nascido para virarem canções
e serem arrebatados pelas sereias

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

...

Porque o corpo pede

sombra e silêncio

beleza e brisa

Estamos todos aqui

neste breve instante

em que fechamos os olhos
e sonhamos


Quando sonhamos
somos todas as coisas

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Vovó É Black Block

Desde que vovô saiu de casa, vovó ficou estranha. Não queria mais comer chocolate, ela que sempre comia muito chocolate. Não queria mais passear no Shopping Center, ela que adorava ver as modas. Não falava mais no telefone com as amigas, ela que tinha contas de telefone gigantescas. Não ia no cinema, uma pessoa que sabia de cor nome de diretores, atores, produtores de filmes. Não lia nada, a pessoa que mais eu vi ler na vida. Vovó que curtia um monte de coisas, deprimiu. E não saía mais de casa.

Sempre passo aqui na casa da vovó porque é o lugar onde consigo me concentrar e estudar. Lá em casa é um inferno, não tem como. Aí um belo dia cheguei aqui e vovó não estava. Fiquei aqui até tarde da noite e nada de vovó.

Sou partidário da tese da minha mãe que notícia ruim corre rápido então nem comentei nada em casa sobre este desaparecimento da vovó. Mas fiquei um pouco preocupado.

No dia seguinte, vovó me ligou. E dava pra ouvir que ela estava na rua, num lugar bem barulhento. Dona Norma estava tão animada que nem parecia aquela estranha vovó deprê que fiquei vendo durante dois anos seguidos. Ela tinha voltado a ser a pessoa que conheci quando criança e isto me deixou bem contente. Só tinha um detalhe: vovó nunca mais estava em casa. Passava o dia inteiro na rua e quando eu saía da casa dela tarde da noite, nada de Dona Norma.


Faço faculdade de Engenharia e mal tenho tempo pra me coçar, que dirá entrar em Facebook, mas um dia resolvi abrir um vídeo da Midia Ninja que uma garota que estou afim compartilhou e aí, quem é que eu vejo bem na frente de uma das manifestações? Dona Norma. Mas ela não estava com a cara descoberta. Reconheci porque sou capaz de reconhecer minha avó até fantasiada de Black Block.


Vi o vídeo umas dez vezes. Era Dona Norma sim. Dona Norma corria da polícia. Dona Norma usava máscara. Dona Norma toda de preto. Dona Norma era Black Block e mandava o prefeito e o governador pra longe do Brasil.


Quando ela me ligou no dia seguinte (todos os dias de tarde ela me ligava), resolvi puxar assunto e comecei a falar que havia uns “baderneiros” na Assembléia. Era só pra ver como ela reagia mesmo. Eu nem acho que o pessoal é baderneiro. Mas precisava provocar pra ter certeza do que eu havia visto no vídeo.


Não deu outra. Vovó se entregou. Começou a falar que baderneiro era o prefeito que levava o cachorrinho pra passear de helicóptero com o dinheiro público em vez de pagar um salário decente pros professores. Que baderneiros eram os caras que aprovavam fazer um estádio de futebol caríssimo quando precisávamos de mais escolas e hospitais. Vovó falou que o povo estava sendo ludibriado, que vivíamos numa ditadura, a ditadura do capitalismo, que Marx já tinha avisado, enfim, vovó falava de revoluções, do fim do sistema, que todos os partidos políticos eram corruptos aqui e no mundo todo, vovó era uma anarco-comunista radical a favor da desobediência civil.

Meu queixo caiu.

Nem conseguia mais estudar direito porque cada vez que via que as manifestações tinham acabado em porrada, pensava na minha avó. Como é que uma senhora, que a vida toda tinha gostado do bom e do melhor, que havia viajado pelo mundo todo, que adorava o perfume Paloma Picasso, como é que uma senhora que gostava mesmo era de vestir Maria Bonita, como é que uma senhora assim, de repente, da noite para o dia, tinha virado uma Black Block?

Num dos telefonemas, ela me chamou de burguês reacionário, só porque eu disse que ela precisava parar de querer resolver tudo na base do coquetel molotov.

No dia da prisão da Sininho, Dona Norma conseguiu escapar por um tris. Mas quebrou o pé, graças a Deus. Inventei uma crise existencial profunda só pra fazer ela ficar em casa me dando atenção. Porque vovó pode até ter virado Black Block, mas eu ainda sou o neto predileto dela.

Tenho de torcer pro nosso prefeito não aprontar mais nada, se não é capaz dela ir pra rua e me convencer a ir também.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A Carta da Avó


Querido Jadeir,

Quando você me contou que ia na manifestação, gostei muito. Você começou a falar sobre política, se interessar por alguma coisa. Até o presente momento só os games lhe interessavam e isto me preocupava muitíssimo. Cheguei a comentar com sua mãe que estava lhe achando mais alegre e que mesmo que não concordássemos com tudo o que você dizia, achava bom que você tivesse passado a gostar de política.
Aí comecei a encontrar coisas estranhas aqui em casa. Pra quê tanto querosene? Pra quê tanto óleo? Pra quê tanta roupa preta? Pra quê tanta bolinha de gude e estilingue? Meu querido, você por acaso entrou pro tal do Black Block? Seja sincero com sua avó e me conte: é isto? Tenho certeza que deve de ser porque outro dia você estava rosnando que vivemos numa Ditadura Militar porque a polícia bate nos manifestantes que só expressam suas críticas ao governo e estava com um monte de roxos pelo corpo.

Meu querido, olhe só, vamos pensar juntos.

Você tem vinte anos, por sinal, seu aniversário é amanhã, parabéns meu querido. Você acha que os transportes estão ruins? Estão mesmo. Mas já foram muito pior. Até bem pouco tempo atrás, o Brasil era um país subdesenvolvido, ali, junto com os outros países mais pobres do mundo. Tudo o que você acha ruim, já foi muito pior. Muito mesmo.

Eu já passei fome. Junto ao seu avô, que Deus o tenha. Até outro dia, nós éramos uma ditadura de verdade e se fosse naquele tempo, você e todos os seus amigos já teriam sido todos presos e torturados. Tanto você, que é pobre e morador de subúrbio quanto seus novos amigos de zona sul. Não teria sobrado ninguém, nem os amigos ricos com seus protetores ricos teriam sobrado, mas certamente você que não teria bons advogados e bons pistolões como eles teria sido o primeiro a cair. Eu já vi isto tudo antes e não se trata de ditadura ou não e sim a lógica simples da corda que sempre arrebenta pro lado mais fraco.

Nossa democracia é pouco mais velha que você.

Nossa condição econômica veio mudando há relativamente poucos anos. Não há como aprontar melhores escolas, hospitais e transportes do dia para a noite. Vocês estão certos de protestar porque realmente, se não houvesse tanta roubalheira nossas escolas, hospitais e transportes já estariam melhores hoje. Mas vocês estão errados em achar que as coisas boas deste mundo se constroem do dia para a noite. Então, é certo exigir do governo que não roube e que cumpra sua parte. Mas é errado botar fogo nas coisas e depois conversamos sobre esta parte.

Mesmo que vocês conseguissem estocar todas as pedras do mundo, todos os coquetéis molotov, nem assim conseguiriam que as coisas consertassem da noite para o dia. Você lembra quanto tempo levamos para fazer nosso puxadinho? Conseguir nossa mobília? Leva tempo meu querido, leva tempo. As melhores coisas da vida são feitas com amor e com o tempo. Sem paciência a comida sai sem gosto.

Agora vamos falar sobre democracia.

O que você acha que sua avó faria se você um dia viesse aqui em casa com seus amigos e pusesse fogo na nossa lixeira?

Eu, que sou sua avó, que te amo, iria ficar furiosa e era capaz de eu ir no vizinho e pedir aquele vira lata tinhoso filho de pastor alemão pra botar vocês pra correr se vocês não me obedecessem.

Agora vamos pensar na hipótese de eu ser uma avó muito ruim, que tivesse espancado você quando era pequeno, que tivesse feito coisas más. Se você pusesse fogo na lata de lixo de uma avó má, nem assim a razão estaria contigo.

Um erro jamais justifica o outro.

Se eu fosse uma avó malvada, o certo seria que você buscasse meios de eu ser punida através da lei. E se a lei não funcionasse, que você então tentasse mudar as leis. Muitas leis mudaram e foram aperfeiçoadas porque alguém muito injustiçado e capaz foi lá e lutou por isto. Mas não simplesmente botar fogo na minha lixeira. Isto retira de ti a tua razão. Te faz tão malvado quantos os malvados que você combate.
Meu querido, eu quero que você viva sua vida, amadureça. O ódio não cria. O ódio destrói. O ódio é reação, não ação. Quem acredita que através da força física irá conseguir alguma coisa rapidamente descobrirá que há sempre alguém mais forte. Se os Black Block se armarem, se aumentarem sua força bélica e melhorarem suas estratégias, a polícia e o exército, que são especialistas em guerras, se armarão mais ainda e terão estratégias ainda mais brutais. A saída não é o uso da força física. Até porque tem muita gente torcendo para que o Brasil entre numa sanguinolenta guerra civil para que se possam vender mais armamentos, tanto para o governo quanto para as facções contra o governo.

A indústria bélica não é chefiada por gente consciente e boa de coração. Não mesmo. É gente ruim. Muito pior que estes que vocês hoje combatem.

Meu querido, eu não sei, realmente, qual é a saída, mas já vivi tempo suficiente para saber um monte de histórias. Ficar velho é isto: é ser um colecionador de histórias. Talvez isto seja pouco para se esperar da vida. Mas a vida é assim, pequena, delicada e nunca ninguém, jamais, deveria perde-la em vão.

Com amor e respeito,
Sua avó.

sábado, 26 de outubro de 2013

o que de nós fica

restos e raspas

ruínas e cacos

espelhos quebrados

vestidos cortados

tempo esquecido

rugas e cicatrizes

do vento que nenhuma janela barra

nem porta alguma impede

o tempo passa
e não poupa ninguém

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

cidade cidade cidade

não temos flores

temos máquinas

não temos sonhos

temos insônias

não temos pássaros

temos gritos

nosso mar de petróleo

herança pros nossos netos

encheu nossos olhos de lágrimas

- de plástico

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Biografia Autorizada de Coxinha Dois A Missão




Coxinha Dois tocava violão muito bem. E obviamente nem teria seguido na vida sendo Coxinha se tivesse feito sucesso. Afinal, a condição do Coxinha tem a natural implicação de o indivíduo viver e morrer em ostracismo e ser uma ostra tão completa que desconhece sua condição de ostra.


A questão do Coxinha Dois começava por seu rosto. Nem suficientemente bonito para ser considerado lindo e nem suficientemente feio para ser horrível. No Rock and Roll dos anos 70 e 80 podia tudo, exceto ser comum. Nos 90 a coisa muda no Brasil porque entram em cena os filhos dos grandes compositores da MPB, vários bastante comuns, diferentes de seus pais. Mas filho de alguém, fidalgo, sempre consegue apoio nas rádios e tvs tupiniquins e faz sucesso de um jeito ou de outro. Coxinha Dois que até que tinha alguma consciência de onde estava costumava dizer que “O Brasil nunca perdeu sua verdadeira vocação para monarquia, basta ver que ainda somos capitanias hereditárias em todas as áreas importantes”.

O outro problema do Coxinha Dois é que apesar de tirar notas que soavam tão bem aos ouvidos e ao coração, ele não transparecia isto em cena. No palco, ele fazia o som de um deus com a cara que se espera encontrar num contador, não num músico. Na época que ele acompanhou @##$%$% e sua produtora o aconselhou a fazer um curso de teatro na #$#$#% para melhorar sua performance ele teve esperanças de melhorar. Coxinha Dois foi ao tal curso de teatro, mas parou depois do dia que o professor deu aos alunos a ordem de “ser um com as árvores, ser uma árvore”, achou muito chato ficar ali na sala paradão. Nem uma amendoeira autêntica suportaria esta aula, pensou Coxinha Dois. Não se passaram nem duas semanas e ele foi substituído por #@$#W um guitarrista que certamente havia conseguido fazer o curso inteiro. A banda bombou e o guitarrista imitava todos os solos que Coxinha é quem havia criado.


As agruras e desagruras de Coxinha Dois na música seguiram até que sua mãe morreu e com o dinheiro da herança- que não era pequeno nem grande, bastante de acordo com uma Mãe Coxinha- ele comprou um espaço no Centro da cidade. Foi aos poucos construindo um estúdio, comprou sua mesa de som e sua aparelhagem com o genial Claudio Cesar e era por lá que passavam as bandas coxinhas que não tinham dinheiro nem prestígio para gravar nos grandes estúdios cariocas.


Acompanhando pessoalmente todas as produções, não foram poucas que tiveram seu som em muito melhorado pela sua participação sensível e criativa. Mas o tempo dos estúdios estava acabando, acabando, acabou. Poucos gravavam em estúdios porque ficou fácil ter seu próprio homestudio. Some-se isto ao fato de que cada vez menos gente fazia cds porque era mais jogo colocar a música em sites do que ficar com caixas e mais caixas de cds independentes em casa.

Como negócio, a coisa ia mal. Quando começaram as manifestações no Rio, Coxinha Dois que já não andava lá muito feliz com seus botões foi para as ruas gritar junto às multidões sua revolta e achou “muito maneiro” que os Black Block queimassem tudo. Tinha mais é que queimar tudo mesmo. “Fora Dilma” virou o mantra de Coxinha Dois. Só não tentava se juntar aos Black Block porque seu problema no joelho jamais permitiria que ele tivesse uma boa performance na hora de correr da polícia. Mas bem que queria. Foi com um certo assombro e delícia que ele viu um garoto mascarado botar fogo num carro da polícia.


No dia #%$%$#%, um dia depois da manifestação dos professores, ele foi para o centro para terminar o trabalho de pós-produção de dois amigos queridos que estavam gravando em seu estúdio. Quando lá chegou, não existia mais estúdio. Vários aparelhos tinham sido levados, muitas coisas quebradas e do trabalho dos amigos, nem sombra. O pessoal da rua lhe contou que haviam sido “Os baderneiros”.


Coxinha Dois pegou seus pequenos últimos recursos e foi para a casa de uma namorada que cria abelhas em Mauá. Não quer mais nem ouvir falar em política novamente.

sábado, 19 de outubro de 2013

Biografia Autorizada de Um Coxinha na Contramão da História



Coxinhas sempre autorizam suas biografias. Afinal, eles não ganham nada autorizando nem deixando de autorizar. A biógrafa aqui presente também não. Então vamos a elas que o tempo urge.


Coxinha Um tem hoje 61 anos. Velho demais para o rock and roll, jovem demais para morrer. Ficou super empolgado com as primeiras manifestações contra o Cabral, a quem acha um pulha que só conseguiu se safar porque tem uma esposa advogada que encobre todas as suas maracutaias. Foi na primeira e tirou fotos com sua mulher vestidos de papagaios. Olhava maravilhado para aqueles jovens, tão jovens e tão combativos. Se sua filha ainda estivesse viva, talvez ali estivesse, junto a eles. Ela também era uma menina enérgica, crítica. Infelizmente, depois de muitos anos em coma devido a um acidente de automóvel, sua pequena Rosa morrera. Coxinha Um achou um absurdo a violência policial usada contra os manifestantes e isto só aumentou sua raiva ao Cabral.


Coxinha Um tem adoração por aves e todos os fins de semana percorria as serras em volta do Rio com sua companheira para fotografar toda a fauna e flora da região. Infelizmente terá que vender todo o seu equipamento devido à tragédia que entrou pela porta da frente da sua vida usando roupa preta e máscara. Sua pequena vida. Onde não cabe uma grande tragédia porque tudo na pequena vida de um Coxinha só alcança o tamanho médio. Classe Média, Média Prosperidade, Média Pobreza, Média Consciência, Médio Engajamento, Médio Talento, Médio Tudo. Exceto Impostos. Grandes Impostos.


Começou a trabalhar na empresa !%%##$ de engenharia aos 20 anos como estagiário. Conseguiu se manter por lá por mais de trinta anos consecutivos e há cinco anos atrás foi demitido. Com o FGTS que ganhou somados às suas poucas economias comprou uma pequena loja no Centro da Cidade onde vendia livros raros, fazia xerox na sua única máquina e três computadores com internet.


Vivia modestamente. Ora, claro. Coxinha não vive de outro jeito que não modestamente porque nunca se tornam grandes empresários geniais que ganham fortunas. Então, ele vivia com dignidade e seu único luxo era mesmo seu equipamento fotográfico- comprado ao longo de anos em zilhares de prestações e com a ajuda de sua mulher.



Há duas semanas atrás, numa das manifestações, sua loja foi invadida por pessoas vestidas de preto e máscaras, seus livros queimados, seus computadores levados e sua máquina de xerox destruída. O seguro não cobriu porque não cobre eventos políticos.



Sua companheira de toda a vida adoeceu, pouco depois de junho e precisou operar de urgência numa modalidade que o plano de saúde não cobria. Sem mais recurso algum, Coxinha Um terá de vender todo seu equipamento fotográfico.


Mas quem se importa com um Coxinha salvo uma Coxinha?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Dura Vida dos Coxinhas SA




Demorei pra entender o que afinal era “um coxinha”. Pra mim, coxinha era um pedaço do frango- ou da galinha, ou ainda uma referência erótica estilo “deixa nas coxinhas?” Na fase de pesquisa em que mergulhei desde junho de 2012 que passa pelo Hobsbawn, Elio Gaspari, Umberto Eco, Assange e Richard Clarke pra tentar entender a conjuntura atual não custava nada eu descobrir o que era coxinha, afinal, se estou atrasada nas leituras de Freud, atrasada e meia. A Prioridade Máxima é entender em qual planeta eu vivia antes e em qual planeta estou agora.


Há uma música de um paulista muito legal que explica o que é Coxinha e basicamente Coxinha é aquela criatura de classe média que não chega nem a ser tão estuprada quanto o pessoal das favelas mas tampouco tem a boa vida do playboy do filho do Sheikh. É a pessoa que mesmo que tenha votado no Freixo, num gesto de intuição política magnânima, ninguém acredita e acha mesmo é que votou no Cabral. Afinal, alguém necessariamente votou no Cabral porque o sujeito não pode estar lá por obra e graça do Divino. Quem melhor para ser acusado de ter votado no Cabral do que o desinfeliz do Coxinha? Então toma Coxinha. Você votou no Cabral, no Alckmim, você só faz besteira. Não votou? Problema seu. Você é forçosamente leitor da Veja, passa 24 horas assistindo ora Ana Maria Brega ora Faustão e na melhor das hipóteses quanto à sua des-consciência política você assiste Globo News.


Não adianta jurar que é leitor da Carta Capital. Não adianta esputricar que adora a Piauí, a Trip, que fumava um na juventude e que até mesmo agora, naqueles sábados que os amigos param de trabalhar e te convidam pra um churrasco você alegremente ainda dá um pito. Nananinanão. Você é um traidor da classe operária, historicamente sempre foi. Antes traiu a classe operária e agora é um sádico que ri da prisão da Sininho e que jamais se preocupou com a família do Amarildo. Você é o câncer da sociedade brasileira pois fica um pouco entediado com assistir os vídeos que o pessoal compartilha.facebook.com.br e fica se perguntando, bolas, por que afinal eles ficam falando durante as filmagens? Por que não só filmam em vez de ficar falando sobre o que filmam? As imagens falam por si só, mesmo quando tremem, mesmo quando mal enquadradas. Precisa do “Covarde” aos berros por parte da pessoa que filma? Precisa da gritaria que acompanha as pessoas que já gritam por fugirem da polícia? Seu esteta porco capitalista cale-se já. O que vale é a mensagem ser clara entre o transmissor e o receptor. Dane-se a gramática. Dane-se a estética. Dane-se você e seus pensamentos pequeno burgueses.


O Coxinha senta na calçada e chora. Suas lágrimas de crocodilo não comovem vivalma. Novas Esquerdas e Velhas Esquerdas o desprezam, a Direita- que é atemporal- faz-lhe um cafuné com uma mão enquanto com a outra o esfola vivo. O Coxinha nasceu para trabalhar, pagar impostos cada vez mais altos e ficar cada vez mais escravizado ao seu trabalho/estilo de vida Coxinha. Dos Grandes Empresários os impostos sempre são suaves. O Coxinha paga o que tem e o que não tem. Quando reclama dizem-lhe: quem mandou ganhar mais de 3 salários mínimos por mês sua besta? Agora paga! Paga e dê graças a Deus por pagar. Seu mão de vaca. Pessoa obtusa, alma sebosa que nunca teve talento suficiente para ganhar dinheiro de verdade como empresário e tampouco tem o bom senso de ser verdadeiramente pobre para assim gozar da simpatia de todos por ser uma vasta maioria tupiniquim.


De um Coxinha jamais se sabe o nome. Ouve-se dizer que teve seu pequeno comércio todo depredado, perdeu tudo por estar na contramão dos tempos. A companhia de seguro não cobre revoluções. E o Mano Cae e a Pila Lasanha não ajudam sua família a sair do buraco. Não existe tal coisa como alguém se compadecer da triste sina de um mero Coxinha. A História sempre devorou Coxinhas. Que geralmente erram nas suas posições histórico-políticas. Se devem aplaudir Pedro, aplaudem João. Se devem aplaudir João, aplaudem Pedro. O Coxinha têm olhos que vêem miragens, mesmo que estas miragens sangrem e gritem suas três dimensões.

sábado, 5 de outubro de 2013

Paciência, a ciência da pá

Do dia para a noite?

Somente estrelas
mesmo estas muitos anos de mãos dadas com os cometas


o dia da estréia nunca é o começo

quando brilham os flashes
é o fim do processo

o primeiro passo já teve antes
queda intenção e coragem

por acaso?

nem a asa do bem te vi
pra voar precisou de ninho
vento cuidado e cio

-não necessariamente nesta ordem-

por sinal a ordem é muita desordem
na vida

a morte acaba sempre higiênica
extremamente organizada
porque já não mexe nada


paciência, meu filho

um dia tudo vive

ou tudo morre

por isto mesmo
é uma coisa muito séria
este negócio de passar o tempo


um tempo passadinho fica bonito feito paletó de linho branco

e as moças pensam em flores
e viram um cheiro de mar

domingo, 29 de setembro de 2013

porque eu confundo as retas com as curvas

saio bêbada sem uma gota de álcool

danço sem música

salto sem abismo

vôo sem asa

faço coisas insanas

como perseguir cometas e borboletas

como flores em vez de maracujás

e sigo sem sapatos

feito marajá

ir à vida sempre é pra já

deu vontade de rimar

e é só

um sol de frente
que bate na minha fronte

eu fotografo canções

em um belo dó maior
sem nenhum acidente

é preciso sempre ir talvez em frente
talvez de costas
mas ir

domingo, 15 de setembro de 2013

da beira do abismo vejo o mar

sua espuma ao bater nas pedras

anjos feitos de gotas e saltos

às vezes só da beira do abismo
a beleza se torna
algo além de palavra

e torna-se o corpo e sangue
dos dias que vivemos sem ver

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

rolando

O mundo sempre foge ao enquadre

as belas coisas sempre têm espinhos

os caminhos sempre têm pedras

quando não existem espinhos nem pedras

nós mesmos nos tornamos as pedras e os espinhos
de um mundo perfeito
onde se morre de tédio


Escolhi amar às coisas

mas isto não faz diferença

se eu as odiasse elas permaneceriam sendo o que são

A diferença é que eu seria a chata
com quem por condescendência todos concordam
mas quando viram as costas falam
"pessoa chata"


Sou definitivamente uma pessoa redonda
que rola e jamais cria limo

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

sobre os poetas

Existem os poetas que não sabem ler nem escrever

suas poesias se esfumaçam e eles mesmos também desaparecem
ou bem que tentam


podemos encontrá-los a procurar debaixo dos grãos de areia algum pedaço minúsculo de certeza

às vezes dormem entre as ruínas

que são as coisas que mais se parecem com eles

e acordam numa rua de um país desconhecido
eles sempre são estrangeiros
mesmo aos olhos de suas mães


muitos os chamam de loucos outros de mendigos

eu os chamo de poetas
porque esta é a profissão mais impossível e temerária de todas as profissões impossíveis e temerárias.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

movimentos ínfimos, íntimos movimentos

A melhor recompensa por ser bom é...ser bom. Quem precisa de outras é porque não gosta de ser bom, gosta é de recompensas. Cultivo em mim um jardim florido. Sou a abelha, sou a flor, sou quem ouve a abelha e quem colhe a flor. Sou os rios que correm pro mar, sou os imensos blocos de terra que se deslocam no mar e no espaço. Cada passo que dou é um espaço que crio. Entre eu e meus sonhos, aprendo o vôo. Nada é mais simples do que se entregar ao movimento. E nada pode ser mais complicado do que começar este movimento. Viver é a arte de desmitificar as certezas. Toda a vida veio do mar. Nós somos muito mais água do que quaisquer outros elementos. Se você reparar bem, as coisas estão sempre se desfazendo. Ainda bem :) O mundo está cheio de coisas feias, inúteis e caras cuja a principal característica é não merecerem o espaço que ocupam.....O tempo é uma imensa oração ao vento que lentamente desconstrói cada molécula e ergue um novo sonho.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Segue o Sonho

Brancos a voar meus cabelos fazem a trilha dos ventos Ora sou sábia ora sabiá Gosto do sol gosto da chuva o segredo da vida sempre foi a poesia que se faz no descompasso do passo em falso que em vez de queda vira dança

domingo, 14 de julho de 2013

o que de nós parte

Uma mãe sempre está a parir seu filho. A cada susto, a cada vitória, a cada fracasso e até quando pensamos que eles nada mais têm a ver conosco. É sempre um parto. Um partir de si para um mundo inconcluso em que tudo vira do avesso a cada dia.