segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Álbum de Família, o filme

Dá para rir em Álbum de Família? Resposta: riso nervoso. Álbum de Família é aquele filme feito para o ator ganhar o Oscar de Melhor Atriz mas para se pedir a Deus que varra de vez as famílias do planeta. Infelizmente, nunca foi exagero a frase de Nelson Rodrigues sobre as famílias: toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Toda família tem uma tia feito a Mattie Fae (Margo Martindale) doce com o mundo mas cruel com o próprio filho, uma chata feito a Karen (Juliette Lewis) que não consegue atinar com o fato de ouvir um pouco aos outros não faz mal a ninguém e muitos tios tarados como o Steve (Dermot Mulroney). Mas, principalmente, muitas mães cuja metáfora mais carinhosa seria “ela é como uma hárpia.


É inevitável, a cada vez que o personagem Violet (Meryl Streep), a matriarca, toma mais uma das suas zilhões de pílulas, desejamos que a megera morra de vez em lugar de encher o saco. Não dá para ter condescendência com uma viciada em barbitúricos que é tão cruel e tacanha com o vício e idiossincrasias dos outros. Além do quê, Violet é preconceituosa, não consegue fazer nada- por estar sempre doidona, caindo pelas tabelas- depende dos outros para um tudo e entretanto, como pessoa egoísta e mal agradecida, não percebe nada de si mesma, só dos outros. Eu conheço gente assim. Acredito que você também.


A tradução do título do filme é infeliz, pois remete à peça de Nelson Rodrigues que é infinitamente melhor que este filme, adaptado de uma peça de teatro cujo nome é August: Osage County.


O que há de realmente fabuloso no filme são as fotografias que esquentam o verão desta casa infernal onde a trama acontece. A outra coisa realmente boa de fato é o elenco. Entretanto, enquanto drama, quem tiver lido Album de Família do Nelson vai querer enviar uma tradução para o Inglês de nosso autor ao Tracy Letts. Tracy Letts é bom, mas ele não explora as razões para que cada personagem seja como é e tudo fica casual demais, desgarrado demais e para que exista pungência nos diálogos ele recorre ao exagero. O que faz o filme cair para o drama mexicano.

Não por acaso, o melhor momento do filme é quando um personagem coadjuvante, Little Charles, toca ao piano uma música que compos para sua amada Ivy. Um refresco na falação sem fim que dá nos nervos do espectador.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Ninfomaníaca o filme

Não gosto de ler sobre os filmes que vou ver antes de vê-los porque prefiro sentir o impacto dos filmes e não estar contaminada pelas críticas e fofocas sobre os ditos cujos a priori. Nos zilhares de blogues cinéfilos que circulam por aí afora hoje em dia, qualquer um pode tecer um filme para si a partir do filme descrito pelos blogueiros, antenadíssimos com toda a produção cinematográfica atual. Na minha opinião, a surpresa e tudo o mais que se relaciona ao ver algo novo se perde para quem lê estes blogues e afins. Então, a única coisa que levo ao cinema é M&Ms.

No instante que assisto, gosto ou não gosto. Se gosto, vou pesquisar sobre- depois de assistir. Se gosto, se o filme me mobiliza, vou repassando cena a cena do filme que vi e tecendo criticamente o filme. Se não gosto, o filme se perde no emaranhado de filmes ruins que já vi na vida, ou seja, simplesmente, esqueço tudo. Foi neste estado de ânimo que fui ver ontem Ninfomaníaca. Sim, eu gostei de Ninfomaníaca, mas.... Vai rolar um “mas” de muitas considerações.

Lars Von Triers já destruiu o planeta sem salvar nem crianças nem proletários em seu belíssimo Melancholia, já tratou bem mal a Nicole Kidman no seu excelente Dog Ville (a atriz nunca mais quis fazer filmes com ele), teceu um arquétipo do feminino sinistro em Anticristo e agora está aí com seu Ninfomaníaca parte I. Posso dizer, sem muito medo de errar, que Lars Von Triers já deixou provado ao mundo que ele não tem a humanidade em alta conta e que é capaz de fazer um trabalho que satisfaz um certo tipo de público. Volto a isto já.

Em Ninfomaníaca, ele queria fazer um filme gigantesco, com sei lá quantas horas e acabou brigando com a produção que não aceitava um filme tão grande- provavelmente pelo argumento óbvio de que não há como você ter o retorno financeiro num filme que dure tantas horas porque qualquer mortal que souber que um filme dura seis horas não irá assistir tal filme, salvo situações muito especiais. Provavelmente a produção não viu razão alguma para justificar que um filme sobre as neuroses de uma mulher durasse tantas horas e custasse tão caro. Com a insistência de Lars a fazer um filme com tantas horas, o diretor acabou perdendo a possibilidade de edição e cortes no seu filme. O filme que assistimos sob o nome Ninfomaníaca parte I é Lars Von Triers- numas. “Numas” porque uma das condições para um filme ser de um diretor x é justamente que ele possa fazer os cortes e as edições de seu trabalho, coisa que acabou não acontecendo neste filme que recebeu uma edição dos produtores e não do diretor.

Gostei de Ninfomaníaca sim. Lars é muito bom na escolha das músicas para seus filmes, em sua produção fílmica as fotografias são sempre lindas e a primeira cena da neve caindo em Ninfomaníaca é belíssima, não precisa de efeito 3D para deixar a neve realmente tridimensional para o público. Os atores estão muito bem e o filme tem um quê de suspense que enregela a alma.


Como nas suas demais produções, ele capricha para dizer que tudo na humanidade é pulsão de morte e neurose e o personagem principal está sem dúvida, buscando a forma mais dolorosa de morrer cheia de culpa sobre seu desejo. Minha impressão sobre Lars Von Triers é a de que ele jamais fará um filme sobre alguém heroico, ou alegre porque para ele a humanidade é um amontoado de gente ruim ou vazia sem escapatória.


Não posso deixar de fazer um paralelo entre este Ninfomaníaca e o Bonitinha Mas Ordinária de Nelson Rodrigues. A forma de entender a sexualidade e as famílias de Nelson Rodrigues era bastante corrosiva, não por acaso, ele foi um autor que deixou os burgueses da época indignadíssimos. Mas por outro lado, há uma leveza no personagem da Bonitinha que faz a gente sorrir muitas vezes ao longo do romance. A sexualidade não é uma coisa vista como vazia ou sinistra. Não pensamos em pulsão de morte em Bonitinha Mas Ordinária. Nelson não odeia à humanidade. Nunca odiou. Ele tem carinho pela humanidade, seria algo do tipo “tem gente ruim sim, mas há figuras boas, há quem seja bacana e gostar de sexo nem sempre resulta em desastre”. A biografia de Nelson explica isto. Ele foi capaz de amar. E se desesperar com a prisão do filho. Há gestos heroicos espalhados pela obra de Nelson, exatamente pela condescendência que ele tem para conosco, bípedes sem plumas. Não é o caso de Lars.


Um jovem feito o meu filho provavelmente não iria ao cinema ver Ninfomaníaca, exceto se a partir do título esperasse cenas de sexo. Que por sinal, não rolam. São poucas e pouco memoráveis as cenas de sexo neste Ninfomaníaca I. Ou são em bem menor quantidade e impacto de que em O Azul é a Cor Mais Quente ou Um Estranho no Lago. Minha mãe muito menos consigo imaginar entrando no São Luís para ver este filme.


A maioria dos mortais, vai ao cinema para se divertir. A preferência do grande público são as comédias românticas, aventuras heroicas, suspenses e dramas com finais felizes. Digamos que só irão ver este filme denso, esquisito, os cinéfilos, os psicanalistas, os filósofos (e livre pensadores), os que querem brilhar socialmente por falar sobre filmes considerados cabeça e os iludidos com o título do filme.


É isto. Um “mas” imenso.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Rolezinho: Que Coisa Mais Careta

Na boa? Minha geração, aquela da moçada que vestia vestidos da avó, pregava o amor livre e fazia cara feia pro pessoal da TFP (Tradição Família e Propriedade) e chamava todos os que achavam bacana estes valores de "caretas" justamente desdenhava do consumo, das posses e do sexo monogâmico.

Quando vejo as melhores cabeças pensantes do nosso país defendendo o direito dos jovens pobres da periferia de SP ao "Rolezinho" ou "Rolezaum" eu fico com meu queixo lá embaixo e penso: deuses, na guerra contra a mediocridade que nossa geração se engajou, venceram os medíocres já que para um jovem pobre da periferia o que pode haver de mais divertido é dar um rolezinho em shopping center e para os nossos intelectuais a coisa mais bacana a fazer é simplesmente defender o direito deles de fazerem isto.


Caraca, shopping center, os templos do consumo, símbolos desta sociedade onde liberdade virou sinônimo de liberdade de consumir, são os lugares mais chatos possíveis. Bons no verão porque têm ar condicionado. Mas que outra característica bacana têm estes lugares? A meu ver, nenhuma.


As lojas que vendem no Shopping Rio Sul têm zero de originalidade, todas vendem as mesmas merdas que todos os outros shoppings do Brasil e do mundo inteiro. A globalização passou por cima da originalidade de cada cultura do mundo e tornou Paris igual a Sampa, igual a qualquer lugar. As modas estão cada vez mais feiosas e de mais mau caimento.


As coisas bonitas de verdade fabricadas por estilistas geniais da Haute Couture nunca estão nos shopping centers. Nos shopping centers estão os trecos caretas, feiosos, de mau caimento, que ninguém deveria pagar um tostão. Melhor vestir velhos vestidos lindos do que novos feios. Eu pensava isto aos 18 anos quando pegava os vestidos de seda da avó e botava com sandália havaiana e continuo achando a mesma coisa hoje em dia.



Por que o pessoal não aproveita para dialogar com o pessoal que gosta de rolezinho e diz pra eles que existem outras formas de viver, outros objetivos tão ou mais interessantes do que andar em shopping center? Será que realmente agora todo mundo acha que a coisa mais importante da vida é comprar em shopping center?




Se é isto, puxa, que tristeza infinita. Penso que encaretamos geral, que após AIDS demos muitos passos para trás em todos os campos da existência possíveis e imagináveis. Penso que se o único objetivo de todos é enriquecer, pra mim, já deu. Mesmo sem acreditar em Deus, me mudo pra alguma comunidade espiritualista porque sinceramente meu maior objetivo na vida não é encher de mais lixo o planeta. As compras de hoje são o lixo de amanhã- sobretudo. Não vou lutar pelo direito ao meu filho e ao filho de ninguém a consumir mais. Pelo contrário. Quero que todos parem e pensem antes de comprar qualquer coisa: será mesmo que preciso disto? O lixo não se desmaterializa. E Shopping Center é aquele lugar que só vale a pena entrar se você tem algo objetivo para fazer dentro dele. Nem que seja só se refrescar, mas francamente, como passeio é caído pacas.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Amor ou Calamidade

Quando um amor acaba é porque isto e porque aquilo, mas uma coisa é certa: é o amor que acabou, não nós, não as nossas vidas. As razões para o amor acabar são tantas e razões para o amor acontecer ou desacontecer deveriam se chamar des-razões. O amor começa porque o olho brilha. A boca que é grossa. A pele que é pele e não couro, nem escama. O amor desacontece porque um dia percebemos que aquele lindo ser não era lindo e em vez de ser era um bruto muro sem heras. Não há razões nem para o amor nem para o fim do amor. O que existe é o projeto de um sonho que começa no primeiro dia que abrimos nossos olhos e nossa mãe desejou que fôssemos aquilo no qual nos tornamos. O amor é sobretudo surpresa e inconsciência. Pegada e firmeza no caminho. Paixão que se torna história, dia e mais dia até existir um caminho. O amor que acaba é mais provável que jamais tenha sido amor. Normal. A gente se confunde mesmo e chamamos de amor até coisas que se surgissem em outros cenários chamaríamos de calamidades, desastres, tudo menos amor. Mas somos gente e gente é pateta. Patetas capazes de construir o Taj Majal e demolir mil coisas igualmente belas como o Taj Majal. Perdão Grande Deus do Amor. Nós não te reconhecemos quando usas apenas algodão e luz.

violência

É no mínimo curioso como a gente vive na cidade. Os jornais quando usam a palavra violência se referem à assaltantes, à brigas. Não se considera violento o progresso que destrói culturas por onde se instala. Não se considera violento o processo urbano onde aqueles que não têm ninguém que os indiquem para trabalhos "oficiais" no mercado de trabalho vivem por aí nos seus pequenos expedientes marginais. O pobre que simplesmente abaixa a cabeça e aluga a cadeira para o turista sentar é desconsiderado na equação da violência onde só é chamado de violência o arrastão onde o pobre tenta levar a carteira do turista e não tudo o que entra no jogo até surgir o arrastão.


A cidade é toda violenta. Das grandes estruturas arquitetônicas- os edifícios cada vez mais altos- que fazem com que cada um se sinta tão pequeno até a velocidade dos sinais que nunca demoram tempo suficiente para um idoso ou doente atravessar a rua, passando pela inviabilidade de se permitir que as nossas crianças possam brincar nas ruas livremente porque os carros são em cada vez maior número e cada vez mais velozes- tudo é de uma violência extrema. Uma violência extrema chamada de cidade, onde mudam os nomes- Rio de Janeiro, Paris, Nova York, Tokio- mas o medo impera em cada uma delas porque o medo surge na medida exata da violência. Um dos nomes da violência? Progresso. Outro nome da violência? Capital.

Tic Tac. Tic Tac. Tic Tac. Às vezes a bomba relógio explode, como os bueiros de Copacabana.