sábado, 21 de fevereiro de 2015

o piano

Acho o máximo quem toca piano. Mas mais do que isto, adoro aquele monstro de madeira na sala. Um piano numa casa faz dela, automaticamente, um lugar diferente. Piano é um instrumento de antigamente, algo que lembra cidades com neve, cafés, intelectuais no café, conversas sobre BauHaus, uma coisa assim a um tempo clássica e ousada, cosmopolita e sofisticada, quase esnobe.


Não existe outro instrumento que me faça pensar nisto. É arbitrário mesmo. Um violoncelo deveria passar a mesma impressão. Um violino. Afinal são instrumentos de música clássica. Até um violão poderia ser assim, porque apesar de ter se popularizado, é um clássico. Mas não. É o piano e só o piano que me faz pensar em ruas com bondes elétricos, pessoas que sabem tudo de História da Arte, conhecem profundamente todos aqueles autores que eu só consegui ler alguns parágrafos sem ficar com sono e conhecem intimamente as ruelas de Veneza, Viena, Berlim, Paris, sim, Paris por certo. Tudo o que é dito em Francês ganha algo de verdade profunda.


A pessoa que toca piano não caminha. Eleva-se com as notas musicais acima do nosso dia a dia café com leite, das estatísticas que nos provam que mordidas de cachorros matam mais que tubarões, o preço do Miojo no supermercado e todo este elenco de coisas prosaicas cujo interesse dura apenas o tempo que passamos os olhos nas bancas de jornais iluminadas.


Um piano deve vir acompanhado de uma bela biblioteca, quadros pintados por pintores de verdade e não meras reproduções, fotografias em preto e branco e jarros com flores frescas recém colhidas de um jardim na frente da casa. Um cinzeiro em um estilo contemporâneo brilha no canto. Uma garrafa de vinho do Porto aberta displicentemente. Um abajour em papel com ideograma japonês. Um lugar aonde nunca se sua como nos países tropicais e nunca se fica em filas imensas, apinhado no metrô com pessoas de rostos inexpressivos e olhares perdidos, números marcados em algum lugar discreto no lombo.


Uma passagem de navio, do tempo que navio era elegante e não estas sucursais do inferno onde burgueses de todos os estilos se acotovelam na aeróbica da piscina. A passagem em cima da mesa de madeira maciça. Que cupim não rói. O piano. Melhor em silêncio, apenas na sua solidez magnífica.


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

sobre amar ao próximo como a ti mesmo

A maior ironia cristã é dizer para amar ao próximo como a si mesmo. E se a pessoa odiar a si mesma? Ou se é entediada e indiferente a si mesma? Ou ainda se tiver medo de si mesma? Como ordem, eis uma ordem muito marota. Como tudo o mais nas religiões. Esta mania de querer generalizar das religiões e achar que todo mundo é igual. Melhor dizer: pergunte ao próximo o que ele deseja e faça o que o próximo quer, não tente adivinhar, não projete seus desejos nos dele. E no mais é torcer para que o próximo não deseje que alguém o mate. Isto seria complicado. Sendo assim, o que há de mais tolo no espírito religioso é partir do pressuposto que exista algo no ser humano comum a todos. A única coisa comum a todos os seres humanos é serem mortais e paradoxais. Subjetividade é o segundo nome de cada pessoa.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

sobre a felicidade

De felicidade pouco sei

Difícil ser feliz quando vemos uma criança suja adormecida no chão.

Ninguém é feliz
Se está feliz
ou algo parecido
Sei de alegrias
alegria de mais um dia
o sol brilhando
as nuvens fofas
pássaros e flores
amigos e amores.
Todas as alegrias são tão particulares
tão deliciosas e fugazes
que não existe "todas as alegrias"
e sim a sua
a minha
a de alguns
a quem a juventude
o amor
a saúde
ou a sorte contemplaram