sábado, 29 de novembro de 2014

filhos da fantasia

Quando conhecemos as pessoas fantasiamos sobre elas. As pessoas que não vamos com a cara, fantasiamos coisas ruins. As que curtimos, coisas boas. Mas acontece que são fantasias, projeções nossas, nós mesmos travestidos de outras pessoas.
Aos poucos a gente deixa de ver a gente mesmo (nossas projeções e fantasias) para ver finalmente o outro, como ele(ela) é. Por isto as grandes decepções. O outro é mesmo outra pessoa e não a gente. Tem suas próprias prioridades, suas próprias qualidades e defeitos.

É claro que as pessoas também mudam com o tempo (e principalmente com terapias) mas elas só mudam dentro daquilo que elas mesmas são capazes de ser. Uma pessoa que foi hippie na juventude pode virar um grande homem de negócios mas se gostava de arroz integral continuará gostando e se adorava acampar vai continuar tendo preferências por tudo o que a levar ao contato com a natureza. Passa a usar outras roupas, outros códigos de linguagem, mas mantém os gostos- se estes tiverem sido verdadeiros e não pura imitação, modismo.

Ninguém se desapontaria com ninguém se simplesmente visse isto. A gente não vê porque somos filhos das fantasias. Fantasiamos tudo. Então achamos que o tempo é que muda as pessoas ou que elas se revelam com o tempo. O tempo traz rugas isto sim. Mas não faz quem não gosta de peixe passar a gostar. Mudarem invólucros, maneirismos, discursos não é mudar de verdade, é assumir os estilos da época que se vive. É adequar-se aos tempos, onde sempre há modismos e reviravoltas pelas descobertas que só se tornam possíveis com o desenvolvimento das tecnologias.

Mudar da água para o vinho só na senilidade. Ou no surto psiquiátrico.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

modo-menino

no sonho ele via ilhas

e as estrelas ainda dormiam

no sonho ele era um menino

aprendendo a nadar

sua mãe sorria

e tapava os seus olhos

para que continuasse ali

sem sustos

Ps: uma homenagem a Manoel de Barros falecido hoje :(


Modo-Medo

"Ontem eu não devo ter acordado com um pé esquerdo e sim com os dois. Você não imagina o que aconteceu. Uma mulher no metrô cismou que eu estava olhando pro namorado dela, veio pra cima de mim, me bateu, tiveram que vir os seguranças do metrô e eu nem estava olhando na direção deles"- ouvi esta fala enquanto ia para o consultório. Uma moça que vinha atrás de mim, falando no celular narrava sua caótica experiência.

Olhei para ela. Uma moça jovem, sem nenhum traço mais particular, simpática, bonitinha. Não se parecia com uma mulher fatal que provocaria invejas e ciúmes nas demais nem com uma sirigaita que roubaria namorados de outras descaradamente no metrô. Ela percebeu que eu tinha ouvido a conversa (estávamos andando muito próximas) e rapidamente conversamos. No fim ambas tínhamos concluído que as pessoas estão muito estressadas, vendo cabelo em ovo e partindo para o ataque com ou sem motivos reais.

Conforme ontem escrevi rapidamente, a partir do momento que começamos a ter medo ou ansiedade, nosso cérebro deixa de se referenciar pelos pensamentos lógicos para se basear completamente nas emoções. E aí tudo que vemos/lemos/fazemos se torna mais uma evidência de que estamos em perigo- mesmo que pelo contrário, estejamos completamente a salvo. Quando estamos no modo-medo de funcionamento o médico te diz que "seu tumor é benigno" e nós entendemos que " é algo pior que um câncer e vai me matar": automaticamente.

Analisando estes fenômenos por um outro lado, por que todo mundo pára para ver o morto no acidente de trânsito ou ri das vídeo-cassetadas? Porque cada vez que acontece uma desgraça com um semelhante nós nos sentimos extremamente aliviados que a desgraça foi com o outro, não conosco. Por isto ficamos olhando embasbacados pro morto ou rimos feito uns panacas do cara que caiu de cara no chão em vez de na piscina na vídeo cassetada do Faustão (ainda tem isto no programa do Faustão? Ainda tem Faustão? Eu parei há anos de assistir).

Aprofundando a conversa, é muito interessante se colocar uma população inteira no modo-medo ou modo-ansiedade. Pessoas levadas por emoções, sem capacidade de avaliar perigos reais ou imaginários, perceber se há evidências concretas que validem ou não suas fantasiam são fáceis de serem manipuladas e levadas a fazer qualquer coisa.
Então, antes de mais nada, nesta quinta feira do ano de 2014, exceto se você estiver sob reais tiroteios, dê uma boa olhada à sua volta. Nas cidades há poucos passarinhos, mas eles ainda cantam. Ouça a algazarra das crianças. Sinta a brisa (se houver) ou sinta o calor. Perca a ilusão de que pode controlar tudo que só te faz ficar mais ansioso ainda. Simplesmente se dê conta de que estar vivo é uma grande benção.