sábado, 30 de agosto de 2008

Noiva de Patins


Há coisas que não sei fazer e nunca pensei em fazer. Abrir um champanhe fazendo a rolha pipocar longe. Andar de patins, isso sonho de vez em quando. De patins, vestida de noiva, chego num bloco de carnaval. Não bebo champanhe e gosto de carnaval assim-assim, às vezes adoro, outras acho uma chatice. Mas de patins, vestida de noiva, lá vou eu, Vieira Souto acima e abaixo, com uma grinalda drapejando ao vento.

Já fui mais feliz nos carnavais. Hoje vejo mais gente bebendo o carnaval do que brincando o carnaval. Vejo gente se pegando, muitas putas, muitos viados, muita gente se pegando. O carnaval cheira a xixi e sexo. Quem samba tirante a porta bandeiras?

Lembro do baile do América, quando um menino rodou o salão comigo. Era tudo tão lindo. Não havia este cheiro. E o menino não pegou no meu peito, nem me agarrou. Ele foi um príncipe e eu sua princesa em apenas uma volta no salão, vestida de havaiana, provavelmente.

Já fui uma moça delicada, que não falava palavrões. Já fui muitas coisas. Tal como esta cidade, toda trapos e alumínios, lixo e cheiro de gasolina. Cidade cã, eu cã. Nós, eu e a Baía da Guanabara atolada em histórias que vêm desde as bravias tribos daqui até estas outras tribos, também bravias, talvez mais, porque insanas.

O Rio pára na hora que as crianças saem dos colégios. Voluntários da Pátria, Senador Vergueiro, Avenida Nossa Senhora de Copacabana, Laranjeiras. Pára tudo. E na saída dos pais e mães das crianças de seus trabalhos. O que aconteceria se as pessoas decidissem sair dos carros e gritarem a plenos pulmões? Quem nos ouviria? São rios de carros, ônibus e caminhões. Escorrendo entre sinais vermelhos, lentamente como rios que carregam cadáveres de outros tempos.

A todo instante, alguém enlouquece no Rio de Janeiro. Alguém se dá conta da sua medonha solidão e pira. Pega fogo em si mesmo. Sem o refúgio das palavras. Pois se palavras houvesse, nunca tão grande a solidão. Quem faz uso das palavras, nunca está tão só. Tem a companhia daquele que as ouve que as compreende. O eco de outro que liga as palavras tuas, com as dele e mais outros eles, que a si se conectam num dilúvio de significados e vidas. Todos por um fio, a linha que faz as letras que compõem as palavras.

Mas há coisas que não têm palavras, apenas gemidos, gritos, ventania. Fazem-nos andar em círculos. Bater com a cabeça na parede procurando o outro lado do crânio. Para estas, só mesmo a dor.

Os velhos sobrados do Rio de nada disso sabem. Tornam-se lojas, bares, lugares para dançar ou grandes edifícios. Nossa cidade não é uma cidade difícil porque tudo segue o fluxo das praias e do mar. O Rio é uma linha entre as montanhas e águas. Quando a gente se perde aqui é porque viramos crianças, o tempo em que tudo é sempre grande demais. Essa história é enorme. E não tem um ponto final.

O moço na bicicleta sem as mãos no guidom. Isso eu também queria saber, o segredo entre o céu e as bicicletas. Os moços que devem ainda ser gentis e as meninas que com eles passeiam sonhando amores. Tudo sem ponto final.

Quem inventou o ponto final nada sabia de histórias compridas, cujo fim deveria estar sempre nas reticências... Numa noite de sexta feira, me acreditei ser minha cidade e a lágrima não veio, nem o romance. Quem dera declaração de amor. Não. Veio o Haiti, acabou aqui. E ainda sou, lá em algum canto, a noiva do Rio. Com ou sem amor, sou tua eternamente. Tuas esquinas serão as minhas memórias. E eu, como toda noiva, acreditarei que serei a mais feliz das mulheres.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Dar certo


Dei tão certo dei tão errado
A vida é tanta que não dá
Pra se definir
O tanto certo e o tanto errado
Dessa estrada que varia até o fim

Coisas certas são as que dão alegria no coração
Errado é ficar num mar que não dá pé
Sem saber nadar

Todo vento tem sua porta e janela pra bater
Toda porta e janela tem um mundo pra se olhar
Mundo que dá voltas
Voltas dá
E nunca termina num mesmo lugar

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Ciúme


Sinto ciúmes de você. Ciúmes- palavra que cabe em todas as línguas e que igualmente mata em todas as cores.

Dizem ser um monstro de olhos verdes. Não creio. Qual é a cor dos pântanos? A cor do sufocamento? A cor do abandono?

A cor sem cor da morte. A morte aos pouquinhos. Quando se abrem os braços, quando os olhos endistanciam presenças. O pensamento encorpa águas e sereias malvadas cujos cantos têm o poder de roubar os corações.

O que dizer sobre o ciúme? O que nos enche de palavras cujo sentido se perde ao alcançar o ouvido do outro?

O ciúme é a palavra inútil, esvaziada de suas possibilidades. Sons que se atropelam e extinguem todos os significados.

A pedra no peito que viaja até a língua inutilmente. O gesto que foge do próprio corpo que o executa. A presença que se desfaz como fumaça por mais pedra madeira ou papel que seja.

Eis um monstro que tem uma cara boa e um sorriso irresistível- posto que assim o sejam todos os que traem. E tem a lógica própria dos pesadelos quando surgem nos olhos despertos.

De quem se sente ciúme, se para cada instante de existência, o ciumento se perde de si mesmo? Desfaz sua história, desmancha sua cama, enforca-se nos lençóis antes macios daquilo conhecido como amor?

O ciúme mora num lugar de fim do mundo e não há como se crer possível voar com tamanho peso. O ciúme é o medo sem a poesia das lágrimas. É sempre uma imensidão constituída de nadas e ferocidades cegas.

A única coisa que se vê, por este ponto de vista sempre desesperado, é o corpo do outro, o amado, desejando e sendo desejado por alguém que não somos nós. O relógio pára naquele exato minuto que se percebe que nunca mais se será feliz.

Falar sobre o ciúme é necessariamente falar sobre o lado mais sombrio da alma e o mais feio companheiro do amor. Contra ele nada se pode. É a luta inglória contra o leão e uma fuga igualmente sem efeito. Pensando bem, quem dera que o ciúme fosse como os leões e tivesse um corpo fora de nós, uma existência de savanas. Mas não. Meu ciúme sou eu. Contra mim, nada posso. De mim, jamais a fuga é completa. Sentimento sempre selvagem e deslocado nas modernas urbanidades.

Não se escolhe vivê-lo. Ele é quem nos encontra e faz com que a cada pensamento ilumine uma traição. Maldita luz que desencava de vez a nossa permanente incompletude. Dele me escondo e faço de conta liberdades que jamais senti ou vivi. Talvez assim, iludindo a mim mesma, consiga dele me livrar. Quem sabe.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

filho, a poesia suficiente

só precisa de uma palavra: filho

e pronto, tudo está dito, tudo significado, tudo poesia.

http://www.youtube.com/watch?v=VG4JZC_JnCE

Há dias que não acontecem.


Dias que se está perdido, que nenhum mapa te guia.


O corpo aqui padece. Gripe. Água por todos os lados. Um beijo contaminado de vazio. Quero estar, quero querer – e não quero nada. O que fazer? O mundo nem sempre cabe em palavras. O próprio amor, não cabe em suas quatro letras – pois se às vezes é ódio, é caos, outras é a ordem dos objetos, cada um ensolarado de sua presença. Talvez o amor seja a medida do absurdo ou vice-versa. O amor foi feito para versos, canções, tudo o que é passarinho. Bichos feito de plumas, carne e sangue, carregados de milagres onde fazem seus ninhos, eles que são vôos.


A memória se esvai. O céu fica. E nos cobre a todos – o céu que se estrela fosse, seria estrela guia. A mãe está sempre à esquerda de todos os nossos medos até porque é ela que nos reza. Nem sempre a vida faz sentido. Ela passa. Sem que a gente sinta. Um anjo dita o silêncio das coisas. Para que estas apenas sejam. Pequenas ou grandes. Suas vontades de coisas que são.


As melhores coisas sempre serão inacabadas. Um dia, apenas um dia – e nunca mais. Parece absoluto. Ás vezes até é. Mas se espremer um pouco, ainda sai lágrima, ainda é vento, ainda está vivo. Por isso nunca se aproxime demais das coisas mortas. Elas são pó. Pó cheio de dúvidas e dívidas. O pó enamorado. Tocado pela vida e pelo milagre. Como é que agora vou dar beijo na boca estando tão gripada? Te quero. Mas estou fazendo água. Desejo adiado será que afunda navios ou emerge ilha deserta onde finalmente, o corpo se entrega ao mar onde apenas a letra A lhe completa?