sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Seis Poesias Pornográficas e uma Breve Introdução


O erótico é considerado de bom gosto. O pornográfico é vulgar, considerado de mau gosto. Quando ouvimos hoje raps da periferia, o palavrão é usado geralmente de forma preconceituosa e o discurso sobre a sexualidade é machista. O povo costuma dar voz ao que se passa no mais primitivo de cada um. O fato de o palavrão ser usado da forma como hoje são colocados em músicas que talvez nem sejam músicas e deixando qualquer um ver que “são as cachorras”, “as preparadas” faz pensar que sexo ainda é visto como algo sujo. E mulheres sexuais são vadias. O erótico é mais artístico que o pornográfico? A visão sobre a mulher: mudou mesmo ou é só verniz?A poesia pornô será sempre considerada vulgar mesmo quando seu conteúdo for não-vulgar?

Eu faço poesia pornô. Não porque tal como uma criança queira ficar falando palavrão a esmo, mas porque para traduzir certos sentimentos só o palavrão. Igualmente porque gosto do corpo e do sexo, não vejo sujeira nem maldade no corpo nu.

Outra coisa que me leva a fazer poesia pornô é querer ultrapassar os limites do bom gosto e do bom tom que nossa mente pequeno-burguesa concebe. Mesmo já bem distante da adolescência quero mudar o mundo e se não puder mudar o mundo, quero ao menos ser livre para tentar.

Antes da palavra escrita, vale lembrar, o ser humano desenhava sacanagem nas paredes das cavernas. O palavrão a um só tempo remete ao mais primitivo e nos religa ao que há de mais profundo de nosso desejo. Agindo desta forma nos ajuda a transcender o momento macaco-pelado de nossa existência na terra.

Obscena é fome. Tirar as nhacas da caretice e os ranços do puritanismo estéril do ser é um excelente exercício. Alonga o pensamento e abre o coração. A suruba literária tem tudo a ver com os trópicos. Quem sabe o Zeitgeist tupiniquim não passe exatamente por uma espontaneidade que só nós, brasileiros, ainda temos.

TEIMOSINHO

Seu caralho é cabeçudo

Tal como o dono

Minha buceta é borbulhante

Tal xota tal mulher

Mas tenho cá meus absurdos

Como ter uma pele extremamente macia

E ser dura na queda

Visto azul e verde amarelo e azul

Não combino o léu com o creu

Por que?

ah sei lá

Tudo o que sei é que hoje andei com seu caralho na cabeça

E a cabeça no coração

O meu coração é minha xoxota que bate por você

Palminhas querido

Por me surpreeender

Faço festa para te receber

Chamo você com meus dedos aqui

Trazendo sucos e boas idéias

Numa bandeja de kiwis japoneses e pássaros tropicais

A côr da minha alma é ameixa e chocolate


Amor Foda e Respeito

À luz da razão parte de um mesmo cenário

no escuro entre quatro paredes

soberanos de diferentes critérios

O amor se torna respeito

no jardim por onde caminham dois companheiros

Mas a boa foda clama por outros efeitos

pede por outros mistérios que nem cabem em civilizados jardins

Quem esbanja em amor extrapola em pudor

e se atrapalha com os furores do corpo esquecido

Quem escolhe a sacanagem como guia

transforma o espírito em deserto árido

o corpo coisa na coisa do corpo sem voz

feliz é aquele que sabe

que os caminhos são muitos e são apenas um

caminha na companhia de todos

às vezes de nenhum

desses tiranos que só reinam porque pulsa o coração

Para Chamar Teu Nome

É preciso abrir bem a boca

Impossível a boca fechada

Ou estar entre dentes

Fundamental a seda o fogo e a água

Tua natureza de peixe não engana

Vontade de te esconder nas partes ocas

Morar no que é semente

Tenaz no que estira

Exacerbado no que aperta

Júbilo no que estremece

Caralho você é sempre mais

Que um mero pinto

E muito além de um complexo falo

Homem para sempre pássaro

Num céu de sangue suor e risos

Espero tua volta


Tudojuntonuminstante

O caralho orgulhoso afoito mergulha na direção de seu gozo

O caralho tímido reluta, faz que vai e não vai

O caralho em luto não sobe não sorri e chora

Na árvore onde balançam os passaralhos

É lá que quero estar

O coração de um homem

Fica na ponta sensível da glande

Uma falange de mistérios

Um mar de provocações

Grande é a alma do homem

Que sério se entrega ao coito

E alegre fica com fazer feliz a companheira

O melhor é sempre o desta espécie

Não importa se grande

PequenoMédioOuAtéMesmoBroxa

Homem bom é que deixa ela roxa

Por fora

E feliz por dentro

Homem bom é o que sabe nos amar

Sexo é feio?

Gostaria muito de saber o que há de feio num caralho

se é ele que nos faz aventura e sonho

gostaria igualmente saber por que se faz raso poço

o sonho da buceta ter seu pássaro alado, passaralho

já que todos somos frutos das estrelas


Por que tornar lodo o que é nossa herança de sangue e sal?

Por que tornar pequena a foda deslumbrante?


Por que não dar nome às coisas se cada coisa pertence a um nome

e soy ser o nome o malho pelo qual se transforma o pó em estátua (que depois vai para o museu)

e arranca suspiros das madames


O que faz determinar o bom gosto

o bom tom

a arte e a vulgaridade?


Amor é sacanagem

Corpo e pensamento


Bilau na perseguida

afoita perereca num rio de águas altas

tua porra salta na minha perna

e isso deveria ser bonito


Por que não é?


Me falta poesia ou te falta generosidade e maresia

para te transportarem em outras águas?

Falto eu ou falta você?

O que te cega se na minha perna você se esfrega

quando fica com tesão?


O que é poesia?


O contrário do simples relato?


Pois eu só faço poesia

porque jamais me atrelo a fatos


Que culpa tenho eu

da mesquinharia humana?


Eu sou poeta

muito antes de ser mulher

peço respeito ao meu estado

sempre grávida de luza lua

grande banquete em plena rua

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Um Sonho dentro do Sonho


Não sei se devo ficar ou se devo ir. Mas não saber tem sido uma constante em minha vida. Fácil me perco fácil me esqueço já me pareço com nuvem faz tempo, só falta pegar jeito.


Não há nenhuma praça aqui. Não vejo crianças, não vejo brinquedos. Não vejo namorados no banco. Vejo letras enfileiradas, muitas letras enfileiradas. Fazem sentido? Não sei. A letra sem nosso afeto não existe.


O cara que faz poesia para todas as mulheres e para nenhuma em específico está lá falando de uma morena agora. O exercício literário está coincidindo de ser feito com uma morena. Eu sou morena, mas sei que não é comigo esse papo. Como é que sei? Ora, o vento já sabe, então todo mundo já sabe também. E o vento levou.


A japonesa alemã escreve letras bonitas e se a leio não tenho nenhuma pergunta a fazer. Com uma escrita tão clara, só falta o sol nascente. Mas o sol nascente só acontece na hora certa, ele nunca atrasa nem adianta por mais que o ano seja bissexto.


Amanhã é o dia a mais que conta uma história que vem dos mais antigos calendários. Uma história feita de um grande sol e de um grande planeta, os dois sempre a girar.


O planeta sou eu. O sol? É meu filho, meus sonhos tornados em carne e osso. Lembro-me de como minha mãe tinha medo que eu andasse de pés descalços, ou que abrisse a geladeira e vejo meu filho rindo, livre, sem meus medos e sem os medos de minha mãe. Para mim, fracassar seria repetir minha mãe. Principalmente, ter repetido meus medos e os medos dela em meu filho. Ele é um sol. Portanto já é outra história. Parece que dei certo mesmo dando para tanta gente errada. O filho é o seguinte: não importa quantas vezes meus sonhos tenham sido espatifados, pois bastou um homem de bem para que tudo desse certo. Quanto aos campos que me esperam as flores que ainda não vi os pássaros que ainda não ouvi cantar- eles estão lá. Eu aqui.

Vamos nos aproximar lentamente, como continentes esquecidos, como ponteiros das horas num relógio enorme de catedral. Lentamente, tudo irá acontecer, já está acontecendo. E é no mundo, não aqui, que as coisas acontecem. Aqui, letras que muitas vezes parecem exercício de não deixar escapar nada. Uma da manhã. Hora de sonhar um outro sonho.

Uma Pseudo Escritora e as Tangerinas


A INSPIRAÇÃO


1º dia
As frases vinham à minha cabeça com a simplicidade da água que caía da torneira. O filme tinha sido ótimo, pensei nisso enquanto fazia pipi no banheiro. Chorei um pouco no escuro do cinema e isto funcionou como uma espécie de bálsamo para a ansiedade. Era um conto, quase certo, sem uma estrutura lógica obviamente, porque afinal de lógica eu nada tinha. Poética sim, lógica de jeito algum. A consciência era um fator estranho ao fluxo das palavras, que nasciam num canto como uma planta. E eu olhava esta planta acreditando que talvez esta fosse uma planta exótica e rara que finalmente me levaria a algum lugar no meu futuro artístico.

Não sabia quanto tempo esta fluência levaria para fazer crescer à planta, por isso, para não secá-la e terminar apenas com um punhado de terra seca nas mãos, peguei um táxi correndo para casa. No caminho, regava aquelas palavras murmurando-as baixinho, mas não tão baixinho assim. O motorista me ouvia, pensava que eu era maluca e isso me agradava. Conspirava a meu favor esta imagem da mulher louca dentro do táxi.

Queria chegar antes que Flavio, meu filho e Roberto meu marido voltassem. Rezei pelo caminho para que Flavio estivesse passeando com seus amiguinhos naquela linda tarde de sábado. Pelo menos tinha certeza que Roberto ainda demoraria um bom tempo naquele encontro de trabalho. No que dependesse de mim, ele poderia estar com dois outros marmanjos ou com uma loura de xoxota depilada ou até com toda esta turma. A única coisa que realmente desejava era chegar em casa, ligar o computador e começar a escrever meu conto. Aquele que finalmente me levaria ao corredor da fama com os tapetes vermelhos da glória.

Ao chegar, minha cadela me cumprimentou com seus uivos. Senti um cheiro ruim e logo me deparei com o fato que ela tivera uma diarréia. Ainda pressentindo as folhas de poesia da minha estranha planta, corri para achar pano de chão, Veja multiuso e papel absorvente. Ela ainda estava viva. Continuou viva até que eu terminasse de limpar tudo, mas não se manteve assim depois do telefonema de minha mãe que reclamava que eu não havia dado suficiente atenção à prova de Português de Flavinho, justo eu, que até queria ser escritora.

Fiquei arrasada. Não pude ajudar minha planta a se tornar a árvore ou flor que ela estava destinada a ser. Mal tinha conseguido perceber se aquela seria uma planta capaz de viver por si mesma, sem meus cuidados ou se era uma daquelas espécies caprichosas que escolhiam ter apenas um pouco de luz e calor para se fazerem desabrochar. Tudo o que pude sentir foi mais uma vez o fracasso, aquela visão de um bicho perdido, caminhando a esmo no fim de mais um dia.

2º dia
No apartamento, tudo era uma bagunça descuidada. Não me importava com a madeira cheia de cupins que cercava o ar-condicionado. O único lugar que realmente importava era um cantinho onde colecionava minhas miniaturas.

Eram zilhares. Um aparelho de porcelana branca para o chá. Bonecos de Vitalino. Uma girafa e um gato tailandês. Uma caixa de madeira trabalhada em marchetaria. Um par de bruxos. Cada coisa daquelas era uma vida, uma história. Na verdade, cada objeto daqueles remetia a um conto e cada conto era simplesmente a miniatura de uma vida. Todos ali no mesmo lugar do apartamento, esperando pela poeira dos dias ou por meu olhar aceso por dentro pela vontade de domesticá-los, compreendê-los em sua essência, descrevê-los com justiça e arte. Era surpreendente como podiam conviver tão bem deuses africanos com garrafinhas de cachaça Volúpia paraibanos. A vida era pura arte, bastava que eu tivesse o talento e a perspicácia de seguir seus movimentos.

Mas aquele dia minha agenda estava cheia. Passeio com o cachorro, ginástica, estágio, estudar para a prova de Flavio e ajudá-lo com a redação, cozinhar o arroz integral e a lentilha, além de ir ao hortifrutti para comprar duas beringelas, brócolis, bananas, mamões, abobrinhas, figos e shitakes.

Antes de dormir, sonhei com algumas outras frases daquele estranho conto, que cada vez mais se parecia com uma planta com suas folhas caídas à beira de um rio em que eu passeava de balsa.

Quantos dias mais haveria de aquela planta viver sem que suas palavras fossem registradas no computador?

3º dia

Acordei sentindo que aquele era um glorioso dia. Era o primeiro dia do resto da minha vida. Cumpriria minhas tarefas na manhã, mas me esperava uma tarde inteira livre, sem vivalma em casa para me demandar. Dessa vez conseguiria finalmente escrever meu conto.

Animada, fui cumprindo minha agenda. Passeio com a cadela, ginástica para manter o corpo saudável numa mente saudável, três telefonemas de retorno aos clientes, um artigo de 10 parágrafos para a revista da minha amiga Dora que contava comigo para fazer de sua revista algo agradável e variado, uma ida rápida ao supermercado para comprar sabonete e pasta de dente, fazer uma salada e despachar o marido para o trabalho. Liguei o computador, mas de repente entra Flavio com quatro amigos. Eles precisariam fazer um trabalho de grupo e eu não poderia usar mais o computador.

Tentei escrever no caderno algumas frases que surgiam como os últimos espasmos daquela planta que nunca tive sequer a chance de ser apresentada. Adeus fama, fortuna. Adeus grandes mudanças. Adeus raio de sol. Restava uma vida cordata à sombra de meus homens.

Não consegui dormir. Por cinco dias, passei a ter insônia, adquiri a mania de medir minha pressão e sentia, permanentemente, aquela sensação horrível de morte eminente.

4º dia
Consegui fazer um conto de duas páginas em vinte minutos. Não alcancei fama e fortuna, mas pelo menos, aprendi a espremer o suco da minha imaginação em duas páginas. Neste dia, também descobri que não se batiam tangerinas no liquidificador para se fazer suco e sim que o suco de tangerina era feito das tangerinas pocans. Estas devem ser espremidas como laranjas. E pronto, você tem um suco de tangerina.

Deus fez o mundo em seis dias, errou um monte. Em quatro, aprendi a fazer suco de tangerina e a ser a tangerina. Era emocionante ser uma tangerina numa pradaria de asfalto no Rio de Janeiro.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Gotas de Luar




Peguei a bicicleta e saí de manhã, bem cedo, catando as gotas de luar da noite anterior. As guardei conchas na minha mão e espalhei outras pelos cabelos e por todo o corpo. Dobrei a Paissandu, segui pela Pinheiro Machado. Elas eram tantas e cada uma contava a história de um namorado. As gotas de luar são mocinhas em botão que espalham beijos pelo caminho.

Gota de luar acontece em todo lugar. Elas estão nas guerras e na paz, no jardim e na Avenida Nossa Senhora de Copacabana ou entre os quiosques novos da praia. Mas é entre namorados que elas gostam de estar.

Foi a gota de luar que me ensinou que mesmo que o destino seja sempre o chão, é no ar e no infinito de céu acima que se compõe uma canção, que se dá sentido a uma vida.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Homem Fresta


Já sei que você não presta
tudo em você fresta
e faz frio quando venta
molha quando chove
Você é cheio de esquinas
dobras sem pisca pisca
e não há pisca alerta
pras tuas milhòes de arestas
Minha língua quebra
quando te chamo pelo nome
Você se recusa a entrar pra gaveta
usar uma etiqueta
fazer um sentido
qualquer que seja
E quando penso que finalmente te entendi
você salta da lata
faz uma festa
e me arrebata
sem susto
no seu mar bravio

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Uma Mulher Sem Sentido Algum


Ela simplesmente nunca usava calcinhas. Achava inúteis. E gostava de sentar de pernas abertas. Fazia desenhos que sempre eram falos, seios, bucetas mesmo sem jamais ter visto um falo e só ter visto seu próprio sexo e o peito de sua mãe. Ela não pensava em outra coisa que não sexo. Muito antes de saber o que era o sexo, muito antes de desconfiar que sexo, dinheiro e poder movem o mundo, ela já era completamente fixada em sexo.

O tempo passou e não demorou muito para que ela simplesmente se perdesse pelo caminho. Largou a escola no primeiro grau e aos 16 anos foi internada numa casa de saúde. Dali para diante, sua vida era sempre esta: internações, remédios, mais internações, mais remédios. Seu rosto foi se deformando pelo uso de drogas tão pesadas. Seu corpo inchou. Aos 20 anos, parecia uma matrona de 50.

Continuava detestando usar calcinhas. Seus dedos sempre estavam cheirando a sexo. Ela era uma xoxota ambulante, seus cabelos lisos, escorridos, sempre em desalinho. Sua respiração arfante. Suas mãos tremendo.

Um dia fez um desenho. Ela adorava pintar, era seu único momento de paz. Neste dia, as cores a chamaram e ela se perdeu num infinito de coisas sem nome e de nomes que não diziam ao quê pertenciam. Para sorte dela, no desenho, finalmente, um lindo falo a desvirginara. Aos 22 anos, finalmente, abraçou e lambeu a um falo verdadeiro, que morava no centro de uma de suas lindas pinturas sem sentido. Seu nome era Maria Pia Batista. Aquela que a si mesma benzeu nos caminhos duros do mundo.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Historietas Sem Pé Nem Cabeça




Saltitando livre num mundo sem pé nem cabeça, se apaixonou o sapato pelo chapéu, que voava enfim livre pelo céu.

Para o marido, contou sobre o amante. Para o amante, contou que nunca deixara de amar o marido. Como explicar que finalmente se apaixonara por suas próprias mãos?

Chorava noite e dia. Depois dia e noite. Foi levada por uma enxurrada de lágrimas.

Depois de chorar cem dias e cem noites, transformou-se em sereia e foi viver no meio do oceano de suas próprias lágrimas.

Tinha medo de tudo. Medo de estar só. Medo de multidões. Medo de lugares fechados. Medo de lugares abertos. Um belo dia se jogou do décimo andar, pois só não tinha medo de cair.

Brigava com a mãe. Brigava com o filho. Odiava os vizinhos. Detestava a conjuntura nacional. Furiosa adentrou as portas do inferno. O grande anjo decaído lhe apaziguou a alma servindo-lhe um cálice de fogo.

Por ter medo de morrer, inventou a vida após a morte. Por ter medo de viver, acreditou na sua fantasia.

Só cuido do que é meu. Não cuido do que é seu. Quanto mais coisas tenho, mais perco o sentido da vida.

Lembrete do dia: aprender com os cães a amar sem mágoas. E com as borboletas, a voar de flor em flor.

Passou onze meses sonhando com as férias. Durante as férias, dirigia para lá para cá, ia daqui para acolá e não havia paisagem que não merecesse uma fotografia. No fim das férias estava exausto.


Adorava todo o tipo de pontes. Ia a todos os lugares do mundo e estudava cada uma com imenso carinho. Numa de suas viagens, o carro enguiçou sobre uma que se encontrava sobre um rio, que naquele exato local, formava uma imensa cachoeira. Atônito descobriu que as cachoeiras eram as pontes de água que ligavam o rio ao seu próprio salto. Viaja agora mundo afora em busca de cachoeiras.

O que é o que é, dorme se acorda, acorda quando dorme e nunca está livre de sua ansiedade? O que é o que é, é mais louco quando se pensa normal e muito mais normal quando se pensa louco ? Se a vida é uma grande charada, o que vale mais: uma boa pergunta ou uma boa resposta?

O menino adorava vídeo game e achava muito chato ler. A menina de quem ele gostava também adorava vídeo game e achava chato ler. Os dois se gostavam muito, mas nunca desconfiavam que o afeto fosse recíproco. Quando se viam, faltavam palavras.

O menino e a menina começaram a se encontrar. Substituiram palavras por beijos. Ficaram juntos até terminarem os beijos. Os beijos duraram toda uma vida.

Duas mulheres começaram a discutir a propósito de um trabalho. Começaram a brigar todos os dias. Nenhuma das duas lembrava mais por que havia começado a briga. Mas jamais se esqueciam de permanecer em atrito.

O marido todos os dias traía sua esposa. Cada vez com uma mulher diferente. Um dia chegou a casa e sua esposa estava de malas prontas, amava outro homem e ia embora. O marido furioso com a atitude da antiga companheira, todos os dias traçava ardis e planos diabólicos para desgraçá-la. Já não saía com nenhuma mulher e passava dias e noites em completa solidão. Viveu assim o restante de seus dias, sem jamais alcançar seus perversos objetivos. Seu ódio era muito mais fiel que seu amor.

Um furacão passou por uma cidade. Morreram muitos homens, mulheres, crianças e velhos. As criações ficaram arrasadas e muitas colheitas foram perdidas. Na igreja, os habitantes da próxima cidade no caminho do furacão rezavam implorando a Deus que este tornado desviasse seu caminho e lhes poupasse às vidas. Mal sabiam que o seu Deus era o mesmo Deus dos furacões, era o criador tanto dos homens e dos bichos quanto dos ventos e das tempestades. As preces dos furacões eram feitas em súplicas serenas de brisas. Deus ouvia ao palavrório humano e sentia o frescor das brisas.


Deu preferência às preces do furacão. A vontade do furacão era girar numa velocidade estonteante, sem limites, sobre o chão. Assim o fez, sob as bençãos de Deus. Que cuidava de homens, bichos, mas também de pedras, rios, ventos e constelações. Não seria justo cuidar de uns e abandonar os outros. Era o Deus de todos, era muitos e era um só. Quando os homens e bichos morreram pela dança do furacão, era inclusive o mesmo Deus dos vermes, que comiam os corpos de homens e bichos.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O Corpo é Forte


Até que passa o trem
E deixa de ser

O sentimento é eterno
Até que se passam cinco semanas
e se acabou

Sabemos quem somos
Até que o tempo esquenta
A cabeça ferve
e se faz aquilo que nunca se pensou em fazer

As coisas são
Mas por que são?
O tempo cobre com areia toda a ilusão
Giram planetas
Fogem cometas
e as estrelas ficam a bailar

Imensas massas de ar e água
Cabem em pequenas gotas
Pequenas gotas se espalham
e perfumam a imensidão

Para que haja luz
Tem que haver respiração
Um pouco de breu
e uma pitada de absurdo

Um deus só não poderia provocar tantos milagres
Se fossem muitos daria confusão
A existência imprecisa
Necessita de toda a ordem prevista
e a ordem só existe
no meio do caos

Ventos que varrem doidos
A imensidão do cosmos
E tornam instáveis
Todas as cúpulas das catedrais
Fazei com que meu juízo nunca seja perfeito
E em completa inocência
Possa sempre perguntar


Por que ?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Diário de Dieta


Dia 1: De manhã tomei um copo de Ades de chocolate e albumina batidos no liquidificador. Fui muito bem disposta para a ginástica. Não consegui fazer a bicicleta ergométrica depois da ginástica, mas acho que foi só por preguiça mesmo. Voltei para casa, comi uma fatia de abacaxi as 10,30 e fui varrer a casa, cozinhar. Na hora do almoço, comi a salada de alface, tomate, rúcula, pepino e depois arroz integral e dois ovos mexidos. Nem fiquei com sono e pude então ir para o estágio sem ficar sonada. Muito pelo contrário. Fiquei ligadona. Não conseguia parar quieta na cadeira. Lá pelas cinco da tarde, tomei um copo de Glucerna SR. Às 19,30, tomei mais um copo de Ades de chocolate batidos com albumina. Vou dormir agora.

Dia 2: Quem disse que dormi? Revirei-me na cama a noite toda. Sonhei com profiteroles, com homens que me ofereciam bombons e quando finalmente dei uma cochiladinha, sonhei que estava sendo comida por dois caras e aí não dormi mais. Eles me comiam de verdade, primeiro minha coxa direita, depois meu bracinho esquerdo, um horror. Mas de manhã, tomei Ades batido com albumina. Dei uma roubadinha: comi um pedacinho de queijo branco, mas laticínios estão proibidos mortalmente. Hoje era dia de alongamento na academia. Num dado momento, a professora pediu para que deixássemos a perna direita sobre o estepe e esticássemos a perna esquerda. Caí feito um tomate do estepe, maior mico. Mas nada grave. Não sou do Circo de Soleil nem nada. Na hora do almoço, comi a salada, roubei porque botei passas e queijo parmesão no ovo mexido. Gritei com uma colega do grupo de estudos. Mas as cinco, tomei meu copo de Glucerna SR lindo. Depois mais Ades batido.

Dia 3: que saco. Não dormi de novo. Será que estou na TPM? Vou ligar para o médico. Hoje chorei porque tirei oito numa prova. Olho para alfaces, rúculas, pepinos e penso que estes vegetais são leves demais para conseguir que uma mulher do meu tamanho exista.

Dia 4: Sonhei com coisas horríveis e o médico teve o desplante de dizer que era tudo normal. Aquele filho de uma égua cheio de botox nas bochechas acha que me engana. Aposto que este desinfeliz nem sequer fez faculdade de medicina coisa nenhuma. Cretino. Eu aqui, tomando esta porcaria de Ades e este troço que tem nome de foguete espacial, Glucerna SR. O que será isso? Deve no mínimo ter componentes radioativos. Merda. Por que não fui logo fazer uma plástica? Por que inventei de fazer dieta?

Dia 5: Ó alegria sem fim. Quatro noites sem dormir, quatro noites só vendo pozinho pela frente, mas emagreci 5 quilos. Cinco! E sem o menor esforço, sem passar fome nem nada. Vou ligar para o Doutor Tarcisio. Maior gatinho o Doutor Tarcísio. A vida é bela.

Dia 6: Ocorreu-me que cada vez que não dou certo com algum homem sempre acho que tudo o que não acontece é por culpa da barriga. A quem vou responsabilizar pelas coisas não darem certo quando a barriga sumir? Isso me deixou muito preocupada. Não vou mais poder pensar que os homens são uns canalhas que só querem é saber de gostosonas e popusudas. Será que tem algum jeito de tirar a barriga e continuar achando que a culpa é da barriga? Talvez mesmo sem a barriga eu possa pensar numa sinistra barriga interior...
Dia 7: Olhei para ela, sorri, fiz carinho. Cócegas. Chamei de bonita. A marvada da balança nem tchuns. Nem uma grama para baixo. Nem uma mísera grama. Por que ó céus, o que te fiz para me tratares assim? Biscoitos de chocolate perversos, sorvetes desnaturados, pavês enfurecidos, pudins insanos: tudo isso me persegue e só por ti, corro na frente e nem olho. Hoje me vingo de ti, deixa estar. Vou ali na feira comer pastel e caldo de cana.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

NOVAMENTE UM GRÃO

Eu te disse: você é cruel. Você agradeceu. E foi ser feliz.

Coisa física o sofrimento. Arranca-nos lágrimas dos olhos que se recusam a chorar. Mas o que é a crueldade? Alguém já viu a crueldade andar por aí? Pessoas cruéis, todos um dia já encontramos. Mas descrever a substância da crueldade, dar com exatidão seu nome e endereço, ah, isso é muito difícil.

A dor me reduz. A dor me transforma numa mulher sem valor. Todos os grandes projetos se reduzem a um nada absoluto. Por onde quer que me olhe, a única coisa que vejo é essa pessoa sem sentido, vazia de promessas, vazia de tudo, cheia de coisa nenhuma. Uma redundância encarnada numa barriga protuberante.

Esperar a dor passar. Quando é que passa a dor? Os ponteiros do relógio caminham e desconhecem a resposta. Talvez a dor seja circular feito o relógio. Uma coisa pontual que simplesmente sempre retorna ao seu centro, a própria dor.

Falta-me o dom de me enganar.

Sei que não vou a lugar nenhum.

Sou prisioneira, como os ponteiros do relógio ao em torno que me constrange.

Gostaria de estar amando loucamente. Gostaria de estar suando feito uma porca debaixo de um porco como eu. Estaria bêbada de desejo, ilusões e com sorte, estaria surda ao tique taque do relógio. É este que me anuncia que meu tempo acabou. Não adianta ter raiva dos que estão no começo do caminho. Não adianta querer gritar para que alguém me ouça nem chorar porque ninguém me entende.

Não há nada mais surdo do que a felicidade. Nem mais obtuso. É tempo de aprender a ser novamente um grão de areia.

O Homem das Flores




Wanderley vendia flores na feira. Antes disso, fora pescador, depois estivador, mas contraíra um sério problema na coluna e tivera de parar com este trabalho. Foi quando um amigo convidou-o a trabalhar nas feiras da zona sul, um trabalho relativamente leve para o que ele estava habituado.

Tinha um rosto muito marcado pelo sol de tantos dias em embarcações. Era um homem feio, mas com um porte atlético. Sua principal característica era ser um homem terno como as flores que vendia.

Joana era nova na vizinhança. Passou pela barraca de Wanderley e descobriu na alma do feirante o menino, e ficou encantada com os dotes físicos do homem. A partir dali, tornou-se muito simpática - coisa que habitualmente não costumava ser. Sempre pedia que Wanderley a ajudasse e dava gordas gorjetas. Não havia dia que ela não o requisitasse para algum pequeno serviço, alguma pequena ajuda e sempre tão generosa.

Num dia em que pedira para Wanderley ver uma infiltração na parede de seu quarto, coisa da qual Wanderley deixou logo claro que nada entendia, ela aproximou seu corpo do dele, tanto e tão perto que ele sentiu até o cheiro de mulher que dela emanava.

Alma simples que era Wanderley não pensou. Em cinco minutos estava montado na mulher, espantado, encantado e cheio de tesão. A mulher gozava por todos os poros. Nunca conhecera nenhuma tão solícita nem tão afoita. Avisou-a que precisava ir trabalhar, ela insistiu que ficasse, que o remuneraria por suas horas perdidas.

Wanderley custava a crer em tamanha sorte. Joana era uma mulher na força dos seus quarenta anos, firme, porém opulenta em carnes e gostos. Dela emanava toda sua história, que ele não conhecia, mas pressentia em seu desejo varão. Ao fim de seis horas, Joana estava finalmente saciada e ele, apaixonado.

No dia seguinte, Wanderley, como de hábito, postou-se na portaria de Joana, esperando que sua deusa aparecesse e pedisse que ele lhe carregasse o carrinho do supermercado, ou que lhe fizesse algum dos pequenos favores que ela sempre o requisitava. Ele sentia uma urgência em vê-la, olhar para aqueles olhos que só na véspera reparara serem cada um de uma tonalidade diferente de verde. Queria sentir novamente aquele mel que fácil jorrara de entre suas pernas. Tocar naqueles seios, um tanto murchos, porém com bicos tão arrepiados.

Estranhamente, ela não veio. Não veio no dia seguinte tampouco. Nem no outro depois daquele. Ele passou dias e dias rondando, perguntando por ela para seus porteiros. Ela simplesmente desaparecera.

Cada dia que passava, ficavam mais reais os lábios da mulher. Em vez de sua memória ir desvanecendo, foi ganhando detalhes. Via o sinal das costas, quando a botara de bruços e a cavalgava; Via os pelinhos do buço molhado de saliva. Mas, tirante estas horas em que sonhava acordado, enquanto se passavam os dias, de Joana nem sinal.

Wanderley desesperava. Ao cabo de algumas semanas, tinha emagrecido e passara a beber. Era um homem feio. Agora ele o sabia. Era um homem só. Ele que nunca se dera conta. Era um homem pobre. E isso era tudo.



dedicado a todos os que sabem amar e nunca entendem porquê o amor acaba

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Libélulas helicópteros e outros como tais


A libélula é o beija flor e o helicóptero antes de tomar o rumo do lago e nenhum de nós dois sabia então que o amor era aquela mariposa que girava ao redor da lâmpada e em breve morreria por excesso de luz. Naquele caleidoscópio de frases coloridas... Quero sentir tua voz sussurar no meu ouvido um caleidoscópio de frases coloridas, que me façam provar as cores que exalam do teu cheiro. Porque é do teu cheiro que alimento minha alma e minha saudade. E cheiro traz sempre saudade.

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entravasó trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade voltava igualmente com o mesmo perfil e os meios perfis não coincidiam.Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra.Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Eis que diante da verdade, de tantos pontos de vista possíveis, de tantas vidas e tantos dramas existentes, a paisagem sai sempre desfocada. Ou bem seremos míopes, ou bem seremos estrábicos, dificilmente seremos normais, porque a normalidade, já se sabe faz tempo é apenas conceito. De perto, tudo é diferente, cada coisa é especial e ninguém, ninguém mesmo, é normal.
A libélula se perde do rumo. O helicóptero vira miragem. Eu perco o prumo. Ou talvez o prumo também seja uma ilusão. Tudo depende do tombo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Dormindo com o texto do Lacan




"O imaginário do sujeito falante, opostamente ao do animal- pleno, sem brechas- apresenta uma falta originária, uma hiância real que virá precisamente a ser preenchida pelo simbólico."

Leio este parágrafo, leio o seguinte. Será que existe a palavra "hiância"? Lacan inventa palavras. O cara inventa tudo. Fala em nó borromeamo, inventa uma valise de falar e ser e eu desconfio que ninguém entende nada do que o Lacan diz. Mas a gente repete. Tirei 9 na prova de Lacan. Quero tirar 10 no trabalho. Como? Sei lá. Aquelas palavras que ele repete toda hora devem ter alguma importância, se eu repetir as mesmas, numa ordem diferente e fizer uma gracinha criativa, quem sabe, a professora considera e eu levo um dez.

O humano se especifica pela fala, ele diz. No orkut e na web toda, seria pela escrita. Mas tem um monte de cachorrinhos, gatinhos e todos escrevem. Há algo de errado na teoria de Jaques Lacan no que se refere a orkut. Há até sanduíches que escrevem no orkut. Então, definitivamente, há algo de errado na teoria de Jaques Lacan e mais mistérios entre o cú e a terra do que o céu pode imaginar. Sim. Escrevi cú com acento em vez de sem e as regras ortográficas mudarão em 2008, eu descobri no orkut. E sim, foi um ato falho. Era para ser céu, virou cú e com acento. Homenagem ao cara que me dá aulas de sexo anal por correspondência, também encontrado no orkut. Então isto quer dizer que sou uma sujeita barrada segundo Lacan ou uma vadia safada segundo o povão?

Freud não explica. Na internet, Freud teria de repensar tudinho. Lacan daria saltos sem pára-quedas e sem valise de ser-falar.

Olha só o que os caras falam sobre imaginário: “para descrever apenas os ciclos instintuais dos animais, nos quais se pode ver ocorrer certo número de deslocamentos, que significam um esboço de comportamento simbólico. Por exemplo, num ciclo de combate surge deslocado, um comportamento de ostentação e um dos combatentes começa a alisar as plumas”. Que heresia isso é para meu amigo poeta, fruto e semente de um imaginário fantástico.

Se alguém entendeu alguma coisa dessas que escrevi, por favor, me telefone. Tenho até semana que vem para entender tudo. Na época da prova, esta que tirei 9, dormia sempre que estudava Lacan. Dormir sobre Lacan me fez bem. E eu tirei 9. Logo devo dormir? E sonhar com minha comunidade de orkut. Todos escrevendo bobagem. Graças a Deus, nem tudo é Freud, nem tudo é Lacan. Sonhei que levava um tiro na cabeça e usava um chapéu com pano muito grosso que me salvava.

Aproveitem e me expliquem meu sonho também. Muito além da teoria de Lacan. O outro é o lugar do significante, o registro do simbólico. Vocês são meus outros prediletos. Muito além do princípio do prazer? Não. Exatamente nele. Em algum lugar li que no inconsciente tudo é sexual. Então, sendo assim, estamos no bom caminho. E eu nem fumei nada faz é tempo.

O COMEÇO E O FIM




Se nega se agiliza
se transpõe e enverga

Nem por isso a palavra
tem cura

O fio da tarde
resvala na loucura
na fralda da montanha
no buraco da memória

O vento que sussurra
me diz onde devo te procurar
e em tudo o que encontro
desvairio de rinocerontes a fumar

Cada momento esconde possibilidades
e múltiplos

Cada rio cabe uma ponte um tanto de luz
e sombras

Na vida que se inicia
só Deus sabe se caminhos
ou labirintos
se seguiremos nuvens
ou se colheremos ventos

Para cada um
um bocado de dor
para se aprender o significado da flor

Um rasgo na pele
para aprender a cicatrizar
um rasto de luz
para decorar como os cegos
a informe escuridão
de que se povoam fantasmas
e silêncio daonde nasce música
e estrelas


A serpente tem o veneno
e o antídoto

Na semente vem o fim
e o começo

Viva o Inutensílio de Paulo Leminsky


A Ditadura da Utilidade
A burguesia criou um universo onde todo o gesto tem que ser útil. Tudo tem de ter um para quê, desde que os mercadores, com a Revolução Mercantil, Francesa e Industrial, substituíram no poder aquela nobreza cultivadora de inúteis heráldicas, pompas não rentáveis e ostentosas cerimônias intransitivas. Parece coisa de índio. Ou de negro. O pragmatismo de empresários, vendedores e compradores mete o preço em cima de tudo. Porque tudo tem de dar lucro. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o lucrocentrismo de toda essa nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem de dar lucro. Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza.

Além da Utilidade
O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriagues. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificações nem de justificativas.

Todos sabem que elas são a própria finalidade da vida. As únicas coisas grandes e boas, que pode nos dar esta passagem pela crosta deste terceiro planeta depois do Sol (alguém conhece coisa além? Cartas à redação).

Fazemos as coisas úteis para ter acesso a estes dons absolutos e finais. A luta do trabalhador por melhores condições de vida é a luta pelo acesso a esses bens, brilhando além dos horizontes estreitos do útil, do prático e do lucro.

Coisas inúteis (ou in-úteis) são a própria finalidade da vida.

Vivemos num mundo contra a vida. A verdadeira vida. Que é feita de júbilo, liberdade e fulgor animal.

Cem mil anos-luz além da utilidade, que a mística imigrante do trabalho cultiva em nós, flores perversas do jardim do diabo, nome que damos a todas as forças que nos afastam da nossa felicidade, enquanto eu ou enquanto tribo.

Poesia? Pra Quê?
Felizmente, pra nada.

Foi o que respondi a um repórter que, um dia, me perguntava pra que servia a poesia.
Servir pra quê?
Num mundo onde tudo serve para alguma coisa, fundamental que algumas não sirvam para nada.

A poesia é o princípio do prazer no uso da linguagem. E os poderes deste mundo não suportam o prazer. A sociedade industrial centrada no trabalho servo-mecânico, compra, por salário, o potencial erótico das pessoas em troca de performances produtivas, numericamente calculáveis.

O Indispensável In-Útil
As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. Serviço militar. Dar lucro. Não enxergam que a arte é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo de liberdade, além da necessidade. As utopias são sobretudo obras de arte. E obras de arte são rebeldias.

Pra que por quê?

O Tempo Cibernético




Qual é o tempo cibernético ? No orkut, algo que se deu há três meses atrás é tempo demais. Uma pessoa que deixe de postar por uma semana, já é considerada desaparecida. Amigos lhe escrevem em scraps “o que houve com você ? sumiu ?”. A pessoa se espanta “puxa, foi só uma semana”, mas uma semana é uma eternidade em megabytes. Fulano que para por um mês de postar, cai no esquecimento de memórias que se antes eram curtas, agora são milimétricas. E coleguinhas se renovam com a facilidade dos objetos descartáveis da contemporaneidade.

Uma cadela gera seus filhotinhos em 45 dias. Mas os bebês só estarão fortes em outros 45 dias. Nos mamíferos, este tempo de maturação é bem rápido. 90 dias. Mas gravidez de humanos é de nove. De baleias, 11 meses. O das vacas é de nove meses, igual ao nosso. O das girafas, 420 dias, ou seja, para nascerem aqueles bichinhos lindos de pescoço comprido e pelagem amarelinha com machas marrons, mais de um ano. Mas, dos filhotes, o humano é o que leva mais tempo para se desenvolver e, de qualquer maneira, mesmo entre os bichos, nada é vapt vupt. Vapt vupt só para onça pegar o filhote de macaco que deu bobeira.

Sabiás levam vários meses construindo o ninho, chocando os ovos. Quanto tempo leva uma semente de abacateiro para se transformar numa árvore ? quanto tempo para que esta árvore dê sombra e produza novos abacates ? quanto tempo leva uma semente de girassol para se transformar num girassol ? quanto tempo leva para se cultivar um jardim ? Qual é a velocidade do caramujo ? em quanto tempo ele faz a casca ? Por mais rápido que seja, nada na natureza é instantâneo. Instantâneo é o átomo explodindo a vida de milhões.

Humanos são lentos. Rápidos ? só em seu pensamento. A vida é lenta. O tempo dos ventos levarem as nuvens e as nuvens desaguarem suas águas. O tempo dessas águas rolarem e trazerem novos peixes, novas marés. Tudo o que é, leva tempo.

O virtual acompanha a rapidez frenética do pensamento, que se articula em milionésimos de segundos. O virtual é o que não é, mas impera hoje sobre nós como antes nenhum ditador ou regime maligno conseguiu.

Vivemos o tempo da ciência, o tempo que a ciência ocupou o lugar de Deus no imaginário humano. Não está mais no nosso arbítrio viver sem ciência, mas nosso tempo de maturação continua não obedecendo nossa vontade, ou mesmo, a velocidade dos bytes. Até que nossos neurônios sejam substituídos por nano-robots, até que todas as nossas células sejam recriadas, infalíveis e indestrutíveis, continuaremos mortais, a obedecer o tempo do ser. E para ser, leva tempo.

Amizades, as que nos alegram o coração de verdade, continuarão sendo, ainda por muito tempo, as pessoas que conhecem nossas vozes, vêem nossos olhos e abraçam nossos corpos. Reais. E ninguém esquece, na vida real, o brilho de um olhar real assim tão rápido. Mas no orkut, se vêem apenas letras e fotos. É fácil esquecer. Mas é difícil, felizmente, se esquecer o que se passou. Nosso tempo, ainda é, felizmente, o tempo lento e sempre escasso em que atravessamos os sinais na rua alegre e barulhenta da vida de cada um de nós.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Vídeos no You Tube das entrevistas e shows de Cynthia Dorneles


A que abre os trabalhos é feita por Regina Casé, no seu programa Muvuca, transmitido pela rede Globo de televisão em sua célebre irreverência. A segunda, uma entrevista sobre adultério, feita no programa Globo Repórter pelo repórter Carlos Dorneles, simples e concisa.

Regina Case entrevista Cynthia Dorneles no Muvuca
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Entrevista de Cynthia Dorneles no Globo Repórter clique aqui

O terceiro link nos leva para o show com a banda Ritual, no Teatro Ipanema em 1991 em que Cynthia Dorneles canta as composições do grupo.

Cynthia Dorneles no Teatro Ipanema com banda Ritual clique aqui

O quarto link é de um show "móvel" no caminhão da Praça XV, um projeto da prefeitura do RJ, onde Cynthia Dorneles interpreta Metamorfose Ambulante, de Raul Seixas junto a Bruno Tavares, Lucio Maia e Diogo Albuquerque.

Cynthia Dorneles e Bruno Tavares na Praça XV clique aqui

O quinto link é do show no Sergio Porto com a banda Flores e Leões, constuida por Marcos Trança, Carlos Poyart, Fabricio, John Cassio e Bruno Tavares, interpretando as composições de Cynthia e Bruno.


Cynthia Dorneles e Bruno Tavares no Sergio Porto clique aqui

Por último, a dupla Cynthia Dorneles e Bruno Tavares é entrevistada por Eliza Lucinda no programa Bravo Brasil da TVE.

Cynthia Dorneles e Bruno Tavares no Bravo Brasil
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