quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

mães que amam demais de menos de trás e de frente

mães são animais indóceis que ou criticam demais ou amam demais ou fazem sei lá o quê de menos. Não tem muita saída: Freud já mandou a letra sobre o triângulo edipiano formador das primeiras neuroses de nossos filhos, Lacan endossou esta visão dos infernos com aquele papo de mãe jacaré que come seus filhotes e o único que foi bonzinho com as mães foi Winnicott que realisticamente reconheceu que basta que a mãe seja suficientemente boa. Suficientemente boa é sensacional. Bem mais próximo de nosso feeling de mães.


Se você é mãe e desconfia que fez alguma coisa errada com seu filho há uma forte chance de ter mesmo feito algo de errado. Provavelmente mais de uma coisa. Só me pergunto quem será esta mãe que nunca erra. Pelo amor de Deus não me contem. Prefiro ter a ilusão de estar acompanhada por um monte de amiguinhas. Já pensou se amanhã de manhã acordo com um monte de postagens de filhos e filhas agradecidos por suas mães perfeitas que jamais pisaram na bola com eles? Pulo da ponte. Melhor não.

O fato foi que ontem o filho fala en passant, assim, muito brincando, de boas, sem nem achar que eu ia ouvir ou levar a sério, que eu só o criticava. Aí hoje passei o dia tentando compensar tal ato malvado de minha parte de só o criticar. Quem sou eu pra criticar quem quer que seja? Por acaso sou Juiz Moro na vida? Tô com a Lava Jato no corpo? Sai deste corpo que não te pertence credo em cruz. Fora Temer. Acredito mais que como boa neurótica que sou, a culpa passa lá no Japão e eu aqui no Rio já a tomo pra mim. Então o filho fala brincando mas eu levo tremendamente a sério. Aí até cozinhar no verão cozinhei. Aqui na minha mini tribo cozinhar com altas temperaturas é considerado pecado mortal. No verão não é uma época pra uma mulher emancipada, militante feminista como eu, se aproximar de um fogão quente existindo tantos deliveries. Mas lá fui eu pro fogão as dez da noite. Tudo pra compensar ao filho estas tantas críticas e demonstrar assim o meu apreço à criatura.

Aí entrego assim, minha primeira tapioca com carne assada, queijo canastra derretido, batatas coradas. Pergunto se gostou. "Não deu pra saber, tá muito quente, ainda não provei" responde o cabra. Olhos atentos, o vejo dando a primeira garfada. Aí digo: calma, vai se queimar, tá muito quente. E então arrisco novamente: prestou?
Tá uma delícia. Ufa. Aí lá vou eu: filho, te acho um cara incrível, boa gente, solidário, lindo de morrer, você acha que só te critico? Você percebe que mamãe te ama?

Aí o que ele responde? "até demais".

Aí sim, assim tá bom. A ideia é esta mesma. Que eu peque por amor demais. Claro que dá zebra amar demais. Mas fico mais feliz em ser uma mãe que ama demais do que uma que critica demais. Assim tá bom, assim tá justo, tá bacana, tá favorável. Porque errado eu sei mesmo que faço um monte de coisas.

Se ele ler isto, vai ficar sem jeito, claro. Todos eles ficam. Envergonhadíssimos. Bem, é isso, rapazes e moças. Mães são insuportáveis. Irremediáveis. A gente nunca se recupera de ver vocês quando bem pequenininhos mamando de nosso leite, dormindo tranquilos, no nosso colo. Seja lá o que role depois, mesmo que nos tornemos até distantes- sim, as vezes podemos nos distanciar, a vida é assim- sempre que olharmos para vocês viveremos uma idílica memória de vocês serem nossos filhos amados, orgulhosas por vocês terem dado seus primeiros passos, por terem aprendido a falar, depois a nadar, depois a contar, depois a ler e todas estas coisas que são esta grande aventura de formar uma nova pessoa no mundo.

Quando vocês estiverem ali, muito compenetrados sendo adultos, nós lembraremos de algum dia em que tivemos de trocar suas fraldas num bar lotado num ato impossível de tornar limpinho um bebê num lugar nada higiênico ou algum ato do gênero.

Tenho dito. Assinado mamãe Cynthia Dorneles