quarta-feira, 22 de abril de 2015

A de Ar M de Mar e outras letras

O amor são as letras A de ar M de mar O de ovo R de Rapidez. O amor mesmo quando lento como um caracol se apossa de nosso coração como um raio que rasga os céus. O amor é esta palavra que antes de tudo é feita de espaços. Sem espaços não há dança e o amor é o Deus negro que dança. Há muito e muito tempo sobre a terra. Quando se faz o silêncio, se respira e é assim que vemos esta vastidão feita língua, dentes, dedos, mãos, pés, rugidos, côncavos e convexos. Tudo é sexo. Nada é em vão. Pelo vão da porta passam os ventos que levantam os balões. Lá se vai mais um beijo. Lá se vai um cadinho de luz. Nunca serão suficientes os delírios diante das margaridas em flor. Quando ninguém mais amar, acabou. Se não tiver acabado, estará se acabando.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Dona Leda

Neste prédio onde moro, tem estas duas irmãs, bem velhinhas e extremamente lúcidas. Uma mora num andar, outra no outro. Visitam-se sempre e de vez em quando a gente vê um jornal subindo, uma panela de alguma coisa descendo. São elas se comunicando. Uma delas foi a primeira vizinha que me acolheu. Uma fofa. Ela puxou assunto comigo e falou que na minha casa só iam rapazes lindos e que se ela fosse uns 50 anos mais jovem, já teria se enturmado. Quando acontecia de eu encontrar com ela e estar com meu filho, ela revirava os olhinhos e eu podia ver que jovem danada ela deve ter sido um dia.

Já se vão anos que nós nos adoramos. Aí houve este dia, próximo da eleição, onde sei lá porque, tivemos a péssima ideia de falar de política.

Minha senhorinha querida é coxinha. Bem assim, pelo Impeachment, aquela coisa toda que eu ouço e sinto tédio. Quando ela começou a falar pensei eu com meus botões: o que vale mais, a opinião ou o carinho dela? Resposta sem nem precisar pensar: o carinho.

Confesso que já desfiz umas três amizades daqui, mas no fim das contas, só uma me impressionou. Bloquear? Perdi conta. Mas uma coisa é gente que você nunca vê, que não conhece ou conhece pouco. Outra é um caso feito o desta senhora, a quem vejo todos os dias no meu prédio e que sempre que vejo um sorriso bobo sobe ao rosto porque me faz bem ver esta senhora e seus dramas de idosa, que ela conta com tanta graça que em vez de chorar, a gente dá gargalhadas- juntas.
Vou fazer cara feia pra ela porque ela acha aquelas coisas todas que diária e sistematicamente a mídia joga na cabeça dos leitores?

Pois se até a Carta Capital virou Coxinha! Está tão na moda achar que o PT é o demônio que até uma publicação chapa branca petista virou oposição ao PT. Se eu for brigar com todos os coxinhas que encontro, vou ter um treco, vou voltar pra análise e de lá jamais sair novamente.

Claro está que estou falando dos Coxinhas, não dos barra pesadas pela volta da Ditadura Militar. Obviamente se a minha senhorinha começasse a esbugalhar os olhos e falar que era lindo o tempo dos militares eu ia sair correndo e gritando pela rua e nunca mais iria falar com ela, mesmo ela sendo fofa. Coxinhas ok, sociopatas não.
Ela fez uma cirurgia, ficou dias sem aparecer. Hoje quando a vi, fiquei super contente e brinquei "Dona Leda que bom que está aqui". Ela rápida "Não foi desta que eu fui não". E começou a falar daquele jeito engraçado dela que não tem graça ser velho porque todos os seus amigos já morreram e até os novos amigos que ela fez já começam a falar que estão com problemas de saúde aqui e ali, que ela não tem mais paciência pra estes assuntos. Neste momento eu cogitei: "será que ela quer falar de política?". Melhor não, melhor não. Não sou candidata a nada, salve salve. Aí falei da minha dor no tornozelo

amor amor amor e mais amor

Quem ama pode até pegar resfriado. Mas o resfriado sara mais rápido por conta do beijo na boca, do sorriso que fica no coração, da gratidão pelo carinho. Quem ama pode até um dia bater as botas. Mas serão botas cheias de poeira do caminho e olhar estrelas nos olhos daquele a quem amou.

é preciso que se acredite mais na vida antes da morte do que nesta tal vida após a morte feita de renunciar a vida antes da morte

que sejamos mais espontâneos criativos e entregues em cada ato, a cada instante- simplesmente porque isto é bom e nos faz bem

e amar, sim, amar muito porque o amor é o paraíso

o ódio é o inferno

o purgatório é a vida mais ou menos, o amor mais ou menos, as coisas feitas pela metade
é disto que se trata ser gente

sábado, 4 de abril de 2015

O Sal da Terra, o filme

O Sal da Terra é um filme belíssimo sobre o trabalho e a vida do Sebastião Salgado. Wim Wenders tenta devolver ao homem que dedicou sua vida a retratar as pessoas e o mundo, um retrato de si. E como reconhece o próprio Wim Wenders, é muito difícil se fotografar a um fotógrafo, que se bobear faz uma foto de quem o fotografa melhor do que o que é registrado.
Sebastião Salgado é um homem de esquerda, que passou literalmente toda a sua vida a fazer registros- impressionantes- dos desvalidos da terra. Deixou sua família, seus amigos, deixou a todos para estar nos lugares onde com tanto carinho fotografou os mais invisíveis e abandonados da Terra.

De repente gente de direita está curtindo o trabalho do cara. Por que? Porque após seu penúltimo trabalho, Êxodos, onde Sebastião foi fotografar as imensas populações que estavam sendo obrigadas a migrar por razões políticas em sua maioria e testemunhar a mortandade provocada por governos assassinos que não permitiam que a comida chegasse aos que precisavam comer-Sebastião adoeceu. E este adoecimento coincide com a morte do pai e o legado de sua fazenda, já completamente estéril. Aí Sebastião, numa espécie de rendição e tentativa de dar sentido ao sem sentido, decide replantar a fazenda onde foi criado e torná-la uma pequena floresta. Logo depois desta atitude de tornar sua fazenda o paraíso em que foi criado novamente e replantá-la com espécies nativas, parte para fotografar os santuários na Terra, lugares onde o capitalismo não tocou (ainda) e que lhe lembravam o paraíso da Terra. É assim que nasceu seu último trabalho, Gênesis- onde o fotógrafo cai no gosto da burguesia.

Sou completamente pró-natureza, mas me irrita muitíssimo esta conversa de pró-natureza vinda da boca de quem apóia a exploração que o capitalismo faz do homem pelo homem e aí me dá nos nervos ver um pessoal que adora a natureza- contanto que possa continuar usando de seus recursos sem pensar na devastação que causam. Então esta unanimidade que este grande fotógrafo agora alcança me parece surreal. Tenho certeza que muita gente que hoje aplaude o sujeito pararia de aplaudir na mesma hora se juntasse os pedaços, conhecesse melhor o trabalho do homem, entendesse as motivações e percebesse que o cara é de esquerda.

Mas assim é a vida.

Acho que o filme O Sal da Terra é tudo de bom. Para fotógrafos, uma aula. Para não fotógrafos: coisas a pensar.