terça-feira, 18 de março de 2014

O Nome Dela

Se eu apertar bem os olhos e ficar bem paradinha

talvez eu durma

talvez eu sonhe

talvez amanhã tudo o que está errado hoje

amanheça certo

ou ao menos mais colorido

e quando os dedos insistirem em sua dança

o vazio seja apenas o lugar

onde brotam lindas flores


A moça se chamava Claudia

mas ela poderia ter muitos outros nomes

todos nós hoje somos este rosto sem nome

da tragédia no jornal

que amanhã embrulha o peixe na feira

todos nós somos lixo

enquanto permitirmos

que moças e moços

se destrocem

na estupidez


quinta-feira, 13 de março de 2014

Um Brinde à Vida

Ontem no metrô lotado me dei conta que passei mais de quinze anos sem tomar metrô- porque tinha síndrome do pânico- ou, pra quem não gosta destes nomes inventados, tinha um medo maior que o mundo.


Meu primeiro ataque foi dentro de um metrô lotado, então toda vez que entrava dentro de um, mesmo que vazio, eu passava mal. Depois do primeiro ataque vieram outros. Tive ataque de pânico depois de correr no Aterro- aí passei também uns quinze anos sem fazer exercício físico aeróbico. Tive ataque de pânico dentro do banco, aí não conseguia mais entrar em banco. Depois em super mercado. Cada situação onde tive ataques de pânico, eu simplesmente me travava e não conseguia mais fazer aquilo sem ficar muito ansiosa.


A lista de coisas que me davam pânico e ansiedade era imensa. Precisei fazer muita terapia- fiz terapia lacaniana, bioenergética, biodinâmica, reich- fui em muito pai de santo, igreja, e tudo o que prometesse ou desse alívio de fato.


Tive melhoras e recaídas. Até chegar neste ponto onde estou hoje em que nem parece que passei tantos e tantos anos sem fazer tantas e tantas coisas.


Curiosamente, em vez de olhar para tudo o que já alcancei, todos os sucessos que tive no meu próprio tratamento, fico olhando pras coisas que não consigo fazer.


Como hoje em dia cuido de muitas pessoas, sei que é assim mesmo. A gente tende a olhar não para onde estamos dando certo, onde alcançamos nossos objetivos mas para onde estamos mal, onde não conseguimos, onde falta.


Aí neste ponto fecho com a psicanálise: somos os seres da falta. Sempre achamos que o outro tem algo que não temos e sempre tendemos a achar que não estamos bem nisso ou naquilo.


Também aprendi que cada terapia tem o seu valor porque com cada uma delas aprendemos alguma coisa que nos ajuda a ir adiante e quem sabe, vencer nossos obstáculos.


Aprendi a não ter preconceito contra remédios, psiquiatras. Tem vezes que só o que resolve é um ansiolítico ou um antidepressivo. Precisamos de médicos com suficiente bom senso para perceber que às vezes temos de tomar remédios e outras temos de parar os remédios. E os médicos também erram.


Um dia anunciei para o meu psiquiatra que ia parar de tomar o antidepressivo. Ele, muito grave e solene, com toda a pompa do seu saber científico, anunciou que 9 entre 10 pacientes que param de tomar antidepressivos voltam a ter ataques de pânico.


Adoro meu psiquiatra, mas jamais tomarei remédios sem precisar tomá-los. Parei. Nunca mais precisei, há muitos e muitos anos. Se um dia precisar, vou no mesmo psiquiatra e peço penico. Continuo tendo por este profissional o mesmo respeito de antes, não foi por conta de um discurso tão quadrado que deixei de respeitá-lo. Simplesmente mesmo grandes profissionais erram.


Fato é que hoje entro em metrô, banco, super mercado, vou em bloco com mais de milhão de pessoas, vou em manifestação, corro da polícia, corro de ladrão e descubro, bastante surpresa, que hoje só tenho medo. Pânico? Nunca mais.


Me permito contar esta vitória. Sim, às vezes, na luta contra as neuras, nós vencemos. Ninguém precisa se conformar a sofrer com suas neuroses. Um brinde à vida e ao amor, pois de verdade, por baixo de cada terapia e remédio que deu certo, havia amor. O amor tem mil possibilidades. E ele pode mais que a morte e a doença.

terça-feira, 11 de março de 2014

envelhecer

Envelhecer é uma coisa muito esquisita.

A primeira coisa que me deu o sinal de gastura foram os olhos. Me lembro como fiquei escandalizada com o diagnóstico do oculista: vista cansada. Achei estranho aquilo, pensei que ele ia me dar um remedinho e como de todas as outras vezes que fui ao médico, depois de uns três dias iria ficar curada daquele negócio de não ver direito as coisas próximas.

Depois dos olhos, a parte estranha foi a pele. Fui na dermatologista pra saber daquelas estranhas manchinhas brancas na pele já achando que eram câncer, claro, e pra minha surpresa, que câncer que nada, aquilo era simplesmente um dos sinais que eu estava envelhecendo. Não tem remédio pra isto? Tem certeza? A dermatologista tinha. E continuei tendo cada vez mais manchinhas brancas pela perna afora.

Daí em diante eu comecei a entender que estava inexoravelmente envelhecendo e que a velhice não era uma coisa com remédio. Era o tal do ato natural, que acontece com todos os seres vivos. E comecei a entender que nossa cultura tem umas questões esquisitas sobre estes pequenos fatos naturais.

Um homem quando fica com cabelos grisalhos é um gato. A mulher? Ah, não, minha filha, não deixe seu cabelo sem pintar, isto é feio, você fica acabada. Velha. Velha é feio, velho é bonito. Estranho isto de que velha é feio quando vejo claramente nos olhos dos homens- não todos, óbvio, mas isto sempre foi assim, nem todos acham que o azul é lindo e preferem o amarelo- que alguns me desejam, do mesmíssimo jeito. Sempre percebi estas coisas, do andar e ver que há homens no meio da rua que dizem com os olhos "ai se eu te pego". Estes olhares continuam. Então, como é que é isto de que ser velha é feio, de que cabelo grisalho em mulher é feio se eu continuo parando trânsito?


Podem achar que sou metida. Devo ser, mas acho que não. Trata-se de uma constatação simples. Parava aos 20, parava aos 30 e continuo na minha saga de parar o trânsito aos 54. Não digo isto para afrontar ninguém, nem para dizer que sou fodástica. Não.


Muitas mulheres são assim como eu e param o trânsito. Muitas mesmo. Algumas não percebem que fazem isto, outras sim. A maioria não confessa, têm vergonha de sua potência. Muitas ainda não descobriram o seu potencial "parador de trânsito". Sei lá porquê. Talvez estejam sendo massacradas por todo um exército de gente cujo principal objetivo na vida é diminuir o outro, subjugá-lo, amesquinhá-lo para assim se sentirem mais poderosas, maiores e melhores que o que são. Vá saber.


Com certeza as que estiverem neste o caso, um dia, livres dos antolhos da timidez ou da cretinice destes que chamo de "dominadores de gente" descobrirão com o tempo que são maravilhosas e param o trânsito sim. Ou não. Mas tendem a descobrir sim. Mesmo que em segredo.


Segredos e mulheres são quase sinônimos. Afinal, faz parte do pacote da cultura judaico-cristã ser considerado feio uma mulher que se "mostra". Mulher recatada é que é "bonito". De minha parte, acho isto tudo muy relativo.


O fato é que a velhice é um treco estranho. Se estou velha, como é que hoje consigo correr por mais de 50 minutos no verão carioca com mais fôlego que aos 20? Que negócio é este de estar mais velha afinal? Onde é que envelhecemos afinal? Se hoje me apaixono como me apaixonava aos 20, aos 30, aos 40, cadê meus sinais de velhice?


Falo bobagens como sempre. Sou infantil, como sempre.


Afinal, será que ser velha é apenas ter vista cansada, manchinha branca na perna, bigode chinês e código de barras sobre os lábios? Se for isto, puxa, basta um básico photoshop pra resolver todo este papo de velhices guimarães. Que bom que fiz o curso. Que bom que instalei o programa. Estou salva