sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011


Alegrias sem alergias,
prêmios sem filas,
filas rápidas,
gatos com amor,
amor sem baba,
baba sem vírus,
vírus só pra matar trabalho,
trabalho sem tortura,
tortura só de prazer,
prazer sem culpa,
culpa só pra emagrecer,
emagrecer só na barriga,
barriga só de papo pro ar,
ar aos montes,
montes fáceis de subir,
subir com fôlego

Que 2011 seja este trem alegre que nos faça a cabeça e o coração

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Galope


Os cavalos girando
os cavalos giraram
os cavalos girarão
Importava o medo
e o prazer de estar
se num infindo gerúndio
ou num complexo infinitivo
O que faz a festa é a vida
sempre ela
Nos dando de comer
nos fazendo sonhar
Qual Don Quixote
Envergamos nossos chustes
para batalhas mais uma vez perdidas
o benefício?
Nossa própria história

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sonhando Acordada


Abismo perfumado orvalho
quanto vale cada palavra
quanto tempo soa
o pássaro que voa
o copo que cai
o vinho que flutua
mais leve que a lua

Até onde vai
o véu da noiva
no escuro da noite
na cama da madrugada
os ossos do futuro
sementes do passado

Aquilo que será já foi
o que foi em breve faltará
tudo é instante
passa o equilibrista
eternamente
ternamente
no fio de um cabelo
à beira do abismo
perfumado
toda filosofia
cabem em poucas linhas
de pura poesia

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Primeiro Dia


Estar apaixonada é estar alguns centímetros mais alta do que o restante do mundo. Como tudo é incrível visto deste lado. É a margem do rio por onde nunca se caminhou. É o momento onde se percebe que de todas as dez coisas que existem, tudo é mágico. O tédio, a mediocridade, achar que tudo é igual faz parte do mundo sem paixão. Não é Cristo que nos salva. Quem nos salva é o corpo da pessoa amada, nos envolvendo. Quem nos salva é o beijo na boca, o desejo no sexo, a história das cavidades e das protuberâncias. É isto que nos salva.

Estar apaixonada é enriquecer de um dia para o outro e poder andar livre e solto sem o peso das moedas. Ou os riscos do cartão. Jamais se perde a senha para se entrar no coração do outro. Mas sim, antes disso somos tolos. Antes disso temos medo: da calcinha rasgada, da meia com chulé, de não ter lido a notícia no jornal, de não saber de cor as capitais dos países do mundo, da barriga grande ou da bunda pequena, da panturrilha magra, da raiz do cabelo de outra cor, da cutícula com mais de uma semana, dos inúmeros percalços da bolsa de valores.

Apaixonar-se é descobrir, assim, de espanto, todas as moléculas do universo cabendo dentro de si. No mais, batatinha quando nasce e eu me esparramo no chão para encontrar lá no fundo de nós dois, alguma raiz que me pregue ao céu.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A borboleta no vidro-fotopoema


Estatelada a borboleta no vidro
explode côr e movimento
o vidro em sua transparência celebra
a delicadeza das coisas
a fatuidade dos gestos
o surpreendente em cada caminho

Dão-se as mãos numa dança
a parede e a janela
que permitem que os olhos se assombrem
e surja então mais uma fotografia

O instantâneo é o que a palavra não ousa:
a poesia escondida do que está tão a vista.

fotografia por Zezin da Cruz

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Menina Verde e Amarela


A menina morena não sabe
mas ela é toda verde e amarela
a menina morena que crescerá podendo brincar
falar alto
gesticular muito
não tem idéia
de como o verde e amarelo calam fundo no coração
e quando ela for velhinha
já toda desbotada
não serão desbotadas suas cores primeiras
sua língua mãe
sua mátria
tudo em profundo verde
ousado amarelo

foto por Zezin da Cruz

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Correntes não, please

..Entendam: um dia eu posso vir a estar desesperada, louca por um milagre. Acontece que acredito em Deus, mas acho que esta força cósmica não tem moral humana e não vive seus dias que nem pais e mães a se preocupar com suas biziguilhares de criaturas.

Pais e mães tem no máximo uns doze filhos, creio que nos dias de hoje este deve ser o máximo de filhos que pais e mães possam ter. Ora, Deus teve um biziguilhão! A cada dia de Deus, ele vai lá e pumba, cria uma nova galáxia, cheia de criaturas para nós impensáveis com todos os fatores impensáveis que estas criaturas terão de lidar ao longo de suas vidas. Sendo assim, por que cargas dágua Deus haveria de passar o resto de seus dias como pais e mães zelosos se o barato de Deus é simplesmente ser Deus e criar? Pois ele cria a cada arroto seu mais uma galáxia inteira!!

Então, amigos e amigas queridas, não me mandem correntes porque só no auge do meu desespero, ou no auge do meu constrangimento com a ação de mandarem-uma-corrente-pra-mim-um-amigo-querido-tenho-de-responder-senão-ele-pensará-que-sou-mal-agradecida, só assim para eu dar prosseguimento a correntes.

Eu leio as correntes, porque sou curiosa e apesar de não ler todos os emails que recebo (sim, eu confesso que não leio as cem mensagens diárias que recebo, só as pessoais ou as que acho pitorescas), leio as correntes. 90% das correntes são meio cruéis e dizem quase que textualmente (ou induzem) que se a gente não repassar pra sei lá quantos amiguinhos iremos arder no fogo dos infernos. A gente acaba repassando as correntes porque embora não saibamos mais muito ao certo o que é Deus, nem inferno, sabemos que nossos amigos irão nos detestar se não repassarmos as benditas correntes. Então, please, por tudo o que lhes é mais sagrado: não me mandem correntes.

Ah, sim, podem repassar este email porque achei o texto engraçado e bem queria que mais gente o lesse. Vc vai me repassar?

(viu agora como é constrangedor este trem?)

Curta o dia querido amigo, querida amiga. Faça por onde. Tudo deve ser feito da melhor maneira possível. Irás certamente colher os benefícios das coisas bem feitas que fizeres ao fim de um determinado tempo. Na vida, persistência é básica.

Grande abraço
Cynthia Dorneles, psicóloga precisando urgente de clientes, cantora precisando urgente de shows, escritora precisando urgente de publicações, mãe satisfeita com o filho, dona de casa preguiçosa satisfeita com seu arroz integral com beringelas etc etc etc

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mais Velha que o Mais Velho dos Homens



vês esta lágrima que escorre em silêncio
cada milímetro de meu rosto?
vês estas marcas?
São todas as partidas de minha vida
os amigos que se foram
os amores tornados um dia dor
depois saudades
depois puro vazio
é o filho que nunca mais apareceu
é o sol que para mim nunca mais iluminou
é a solidão mais fina teia
que enredou primeiro meus sonhos
depois minha vida inteira

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Casais



Sim eram um casal redondo e chato
mas não o são sempre chatos os casais mesmo os magros?

Então eles muito redondamente aproveitavam
a pouca vida que lhes restava

sim, seria curta a vida de pessoas tão redondas
mas antes curta e louca
do que longa e tediosa

Eles seguiam rolando como boas criaturas redondas que eram

e o que rola não cria limo


foto por Suzana Dias

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Casa Abandonada


flutuava nas ondas
cheia de espumas
lembranças e caminhos
onde já não mais risadas
algas e sal
a casa estava vazia
ecoando vida
escoando água
a casa abandonada
estava cheia de poesia

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Casa Nova


Um dia a casa está em pedaços. É a obra. Cada martelada, cada pedaço arrancado é um pedaço da gente. Aí um dia, tudo lindo, tudo novo. Quem dera poder fazer o mesmo da gente. Arrancar pedaços, destruir tudo e fazer um tempo de paredes absurdamente brancas. Aí depois, jogar fora tantas coisas que acabamos por jogar fora até o que não era pra jogar fora. Embalar o inimbalável e mudar cada coisa de lugar, até todos nós estarmos a dormir e acordar num novo endereço. Uma pequena aventura feita de impaciências e metros redondos.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Velhices


O grande problema de ser velho, além dos tiltes físicos, é ter ficado velho sem ter sido antes criança, depois adolescente, depois adulto produtivo. Creio que a vasta maioria esqueceu de viver alguma coisa dessas ou as fábricas de tinta de cabelo não seriam tão bem sucedidas.Afinal, o que mais é a tinta de cabelo salvo uma peneira que tapa o sol?

foto de Nuno Rosário Casimiro

domingo, 13 de junho de 2010

A Velha e o Muro


o olhar da senhora diante da poesia rasgada no muro
é mais muro que a propria pedra

foto: Sergio Redondo

quarta-feira, 2 de junho de 2010


Me perguntaram se eu era carnívoro. Respondi que não. Só como comida de pacotinhos e isto então me faz um pacotívoro não um carnívoro.

Comer carne, pegar um bom bife, botar cebola, alho, nada disso eu faço.

Simplesmente pego meu pacotinho. Abro. E como.

Tal como uso shampoo. Abro a embalagem e ponho nos cabelos.

Estou a espera da mulher em pacotinhos. Delivery. E com 0800...

foto DdiArte, site olhares.com

A Mulher Em Rosa


A mulher em rosa
A mulher pura cor
A mulher puro sabor
É impossível não amá-la
Por mais que muitos até digam que é fácil
Basta não gostar de rosa
Basta não gostar de cor
Basta não gostar de chocolate
Baunilha
Ou avelã
Basta esquecer que existe alegria
E que há o carnaval na Bahia
Mas para nós
Os que cá estamos e não queremos sair nem a pau
A mulher em rosa basta
O deserto feito de cor é suficiente
E a alegria feita de dentes alvos nos redime e satisfaz

foto Jet, site olhares.com

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sem Saber do Seu Corpo Como Saber de Si?


Sem saber do seu corpo
como saber de si?

Sem saber do seu corpo
como caber em si?

Barriga troncos e membros
todos tão tensos e por aí

Quedam extáticos
ou são vibrantes
tudo em si responde
e não se esconde de ninguém

Falar de liberdade
Estando tenso assim
É pular de salto alto
cair no lago da rã
que ri de você

Não voar como andorinha
vizinha de mundo
dona do céu

Não ser quem pensa ser
ser outro
muito a mais ou muito a menos ser

É só pela palavra
ou no pensamento
que vou fora de mim
que vôo fora de mim

foto Raul Santos site Olhares.com

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Movimento do Pensamento


Meu pensamento se move
enquanto giro a cabeça

Minha cabeça se move
no espaço

Meu pensamento se move
no espaço entre as letras
espaço intangível sem tempo nem vento

Orienta-me a bússola da alegria
os ventos que fazem o instante
ao se perder de mim


foto: Carlos Vilela

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Burguesinha dos teus sonhos


Difícil ser burguesa quando já se andou pelado na praia de Ipanema
mas vá
que seja
afinal já lá se vão vinte e oito anos

Então sou a sua burguesinha
mesmo que me falte um salão
para fazer balayage rinsage bestage
mesmo que me falte uma academia
pra fazer body combact body jumping body que bode

Você não entende patavinas
nem eu
vamos acontecendo entre poeira e caminho
entre vertigem e vontade
entre um agora e um depois

Sou tua sombra que te segue
mas você pensa ser a sombra que me segue
quem de nós mais sombra
quem de nós mais luz
isso a Deus pertence

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Rosa Roxa do Fotógrafo


Era uma rosa impossível.
Mas se era uma rosa
e se estava sendo uma rosa
como ser impossível?

Era uma rosa roxa
tão roxa que passara do ponto
a rosa que nela morava
hoje para trás estava

Era roxa
a rosa do futuro
o futuro que ao homem pertencia
porque Deus fizera rosas rosas rosas vermelhas e rosas brancas

Era algo impossível
mesmo quando em plena existência
era uma foto
ou um lindo poema

domingo, 28 de março de 2010

Imagens









Tudo começa aqui
e termina no carnaval do ano que vem
todo dia é dia da carne
todo dia é dia de estar vivo

domingo, 7 de março de 2010

Caravelas


Elas chegavam solene e lentamente. Portais no mar, as caravelas, caras de velhas caravanas marítimas abriam um novo horizonte em sua trilha. Onde chegassem, trariam o sonho ou o pesadelo. Imagine um elefante. Imagine um milhão de elefantes. Eis que assim surgiam novas soluções e novos problemas, frutos justamente das soluções.

Toda solução de um antigo problema está grávida de um novo problema.

Num livro que li, a história de um homem que procurava um seixo que transformaria metal em ouro. Cada seixo que ele encontrava, batia na fivela do cinto de metal que usava para ver se este havia se transformado. Ele saiu nesta busca por toda Índia e África quando ainda tinha vinte anos. Subiu todos os rios, correu todos os riscos e deu lá seus tantos risos diante das histórias que ouvia de outros viajantes como ele, em busca de sei lá quantos sonhos. Jogava fora todos os seixos que não eram O Seixo Transformador de Metal Em Ouro Puro.

Um dia, seus cabelos brancos lhe chegando pela cintura, já cansado, sentou-se para descansar sob uma frondosa árvore- a primeira que encontrara após muitos quilômetros. Reparou que apesar de toda fadiga a que submetia diariamente seu corpo, sua barriga crescera um pouco. Talvez mais por cansaço do que por desilusão, decidiu retirar o velho cinto, que ouro puro, reluziu sob a luz do sol. Quando foi que acontecera isto? Que seixo teria sido aquele? Decidiu então refazer todo o caminho.

Assim talvez este mesmo homem estivesse agora numa destas caravelas. Mas de nada isso importa agora neste silencioso caminho feito de marés, ondas e correntes que levariam os homens para onde quer que elas, forças ancestrais decidissem. Elas, as caravelas, junto ao mar que as acolhia, eram soberanas e nunca se deve olhar um rei diretamente nos olhos. É preciso a humildade de se reconhecer meramente um súdito. Súdito de destinos que a nós nunca cabe decidir.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Buracos


Meu olho vê teu olho no meu. No teu olho que me vê, um mundo inteiro de possibilidades. Somos duas almas gêmeas, somos dois estranhos, somos duas ilhas que se aproximam lentamente desenhando um velho continente esquecido.

Um dia fomos ninhos, noutro fomos árvores, noutro fomos casas, noutro fomos sonhos. Eis que nossa memória é os passos que demos para chegar até ao ponto exato.

O ponto exato que nos encontramos, enfim.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Amar O Mais Perigoso dos Esportes Nacionais


Sonhei que era audaciosa
Subia no coqueiro sem alça
Surfava em tsunami sem prancha
E andava de moto sem capacete.

Acordei.

Não era sonho:

Estava amando.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Visita ao Poeta


Um homem só
É alguém afortunado
Custa caro não ter vizinhos próximos
Um na vida do outro
Ninguém na própria pele
É raridade o salto e o grito
Perturba demais o asilo estrito
Da mente sem sonho
Da beleza sem alma
Do corpo sem movimento
Tédio intenso das horas cheias
De um nada que se amontoa

Quem são os medíocres
Quem são os acima da média
Quando ao fim a comédia é a mesma
Vestem-se todos dos trapos que compram
Por astronômicos preços
O lixo e o luxo sempre andaram de mãos dadas
No fundo dos oceanos irmanam-se os bagulhos
Que na superfície pareciam mergulhos
A um universo pleno de cor

Qual cor qual nada
É preciso nadar a distância dos continentes
Para descobrir que ao fim tudo é um só conteúdo
O tudo e o nada valem menos que a tapioca
Na doce boca da menina flor
Que de flor mesmo só tem botões
Todos com a palavra delete
Imensidões de trânsito intenso
E nenhuma comunicação