domingo, 15 de março de 2009

O Bom Leitor


Lê o texto mesmo que haja um título que ele odeie. Afinal, o título detestável pode ser apenas para provocar e o autor defender idéias opostas ao que parece ser pelo ângulo do título ou das primeiras linhas.

O texto de desenvolvimento imprevisível é o melhor texto.

Exatamente por isto, a leitura deve ser feita linha a linha, palavra por palavra. Quando houver muitas palavras e muitas linhas, melhor voltar num momento mais propício. Ou não ler.

Não há qualquer obrigatoriedade de leitura. Mas ao fazer uma leitura, que esta seja feita no modelo tradicional que vem a ser linha a linha, palavra por palavra.

Há autores que primeiro dizem o oposto do que pensam para só depois darem a sua verdadeira opinião. Não há como fazer atalhos porque os atalhos costumam empobrecer o entendimento dos textos.

Quando o autor inventa palavras ou Coloca Em Caixa Alta Alguma Coisa, ou usa artifícios-como-hífens-em-lugares-incomuns estes recursos de escrita indicam que o texto ou será de humor ou será um texto criativo. Dificilmente quem escreve com a intenção de ser levado a sério irá fazer experimentações desta natureza em seu texto.

Porque o texto sério é reto, tradicional, faz citações, traz números de pesquisa de campo e o tom mantido é semelhante ao do Sergio Chappelein (que Deus o tenha) no jornal das oito.

O bom leitor pode detestar um texto ou adorar. Não há qualquer contra-indicação neste sentido. Tudo é válido.

Entretanto, um bom leitor antes de mais nada tenta entender e só comentará aquilo que entender. Quando não entender deixará claro que não entendeu- o que para o escritor é um bom sinalizador.

O bom leitor é uma espécie em extinção porque na contemporaneidade o indivíduo está permanentemente sujeito a tantos estímulos simultâneos que é cada vez mais raro o leitor que de fato lê. A maioria passa os olhos, se chateia quando um texto é longo e pensa que time is Money.

Resta ao escritor tentar adestrar todo o leitor para que este se torne enfim um exemplar ímpar de bom leitor.

sábado, 14 de março de 2009

TODO HOMEM É CORNO


Sim, todo homem é corno. Os que ainda não foram, serão um dia. E tanto mais corno quanto mais revoltado contra esta condição tão natural ao homem contemporâneo. Os homens feios serão traídos por serem feios. Os bonitos, por serem bonitos. Os inteligentes por serem inteligentes, os burros por serem burros. A cornualha é democrática. Atinge aos pobres, aos ricos e aos remediados. Para não ser corno só há um jeito: a solidão total e absoluta. Solidão sem pausa, sem cura, sem entretenimento. Pois se o solitário num belo dia apelar para uma velha amiga carente, neste momento, já estará sendo corno. A cornice é tão fatídica que basta que o homem tenha contatos com mulheres do sexo feminino que a coisa já começa a se desenvolver...

Pois não é de puta que uma mulher é xingada sempre que faz qualquer coisa que irrite a alguém? Então, toda mulher é puta. Até as virgens e as freiras. Todas estão equipadas para a putaria- ao menos é o que se atesta pelo uso coloquial sem restrições da palavra puta. Dirigiu mal? É puta. O juiz marcou errada a falta? A senhora mãe do juiz é puta. Bobeou, respirou? Se for mulher, é puta. Puta por dar e puta até por não dar- aliás, principalmente por não dar. A mulher que não dá para um homem, não é de puta que ele a xinga em sua raiva de homem rejeitado?

Se toda mulher é puta, todo homem, por conseqüência, é corno. Ser homem e ser corno é uma redundância. Não há porque ficar aborrecido porque este adjetivo cai como uma luva aos Robertos, aos Henriques, aos Sergios, aos Franciscos- o corno é uma unanimidade.Enganam-se os que pensam que se for fabuloso no sexo se interrompe este fluxo. É uma lenda acreditar que ser bom de cama impede de se lhe crescerem chifres. O bom de cama pode incomodar da mesma forma que o ruim de cama e ambos serão traídos igualmente por razões opostas. Não há riqueza no mundo que desfaça esta realidade. Aqui se trata de aprender a lidar com o fato com toda a consciência e humildade que este requer. Os que chamam seus coleguinhas de cornos, estes serão os mais cornos. Afinal, quem torna chacota um assunto tão comum e ao mesmo tempo tão delicado, típico da condição masculina, o que poderá ser este se não um baita corno revoltado? Felizes os que se descobrem cornos percebem o quão comum é a situação e aceitam com galhardia e bom humor aquilo que para se ter basta um pênis. Sim, porque não há a palavra “corna”. A mulher traída é simplesmente a mulher traída. Desde os tempos imemoriais mulheres são traídas. São traídas e bem ou mal aprenderam a lidar com isso sob condições históricas e econômicas superiores às suas vontades.

Chega finalmente à vez do homem realmente encarar de frente este fantasma da traição, do abandono, da humilhação suprema de saber que definitivamente sempre haverá alguém melhor que você- ao menos para passar um par de horas. E este alguém não necessariamente será melhor. Pode até ser pior. Contanto que seja diferente. Isso é o que basta. Não foi sempre assim? Não justificam de tantas formas, até apelando para a Biologia e Evolução das Espécies o fato de que todo homem um belo dia sai com outra mulher?

O ciclo ideológico que gera o controle sexual da mulher, o conseqüente peso da palavra “trair” significando ter relações sexuais com outras pessoas que não seus parceiros usuais e a visão da sexualidade como algo obsceno termina exatamente na putaria e cornaria generalizada, democrática e inconteste.

Aliás, para ser corno basta ler este texto. Leu todinho? É corno, sem sombra de dúvida ou sequer pausa para meditação.

domingo, 8 de março de 2009

Contradições Mundanas- II


Se observarmos bem, a cada dia, a vida nos floriu como um buquê. Um buquê de sorrisos, de imprecações, de lágrimas, de sustos. E este buquê não é constituído por grandes eventos, grandes afetos, grandes coisa alguma. São pequenas conquistas, um passo a mais, um dia a mais. Bom dia, o primeiro bom dia que recebemos logo ao sair de casa.

Não há como mensurar as coisas. Mas quando um homem me dá uma informação de como chegar a algum lugar e me diz algo gentil e sorri, isto é uma pequena vitória do que há de mais simpático em todos nós e que nos constitui como humanidade. Afinal, um sorriso não custa nada, mas uma agressão também não.

Quando a atendente da loja de Xerox comenta algo engraçado com uma cliente a quem ela jamais viu na vida, eis aí outra pequena graça. E se o garçom fizer questão de me dar à garrafa mais gelada do meu refrigerante predileto meio a uma onda de calor, o que será isso se não mais uma benção do acaso e confirmação de nossa civilidade?

Sem dúvida, a felicidade é a soma de pequenas felicidades. Da mesma forma como a infelicidade é o agrupamento de pequenos desastres.

Ao longo dos nossos dias, temos amostras de cada um desses fatos que nos fazem sorrir ou xingar ou chorar. Cada um de nós se movimenta para o centro onde acontecerão estes eventos. Cada um de nós experimentará de forma diferente ao que o circunda. De acordo com isso, diremos que estamos bem ou mal.

Meu filho, torcedor fanático do seu time de futebol, rumou para São Januário à uma hora da tarde de hoje para comprar ingressos para o jogo e cozinhar até a hora em que começaria a partida. Debaixo do sol a pino, num verão senegalês, ele e um amigo tomaram ônibus e cantaram os hinos das torcidas que lotam as conduções até o bairro onde se localiza o estádio. No mesmo ônibus, outras pessoas, talvez até indo ao mesmo jogo, encaravam com mau humor ao sol, ao barulho, a tudo em volta, inclusive a estes jovens bem humorados. Quando não estamos bem, a felicidade dos outros incomoda quando deveria nos exaltar à mudança.

Não temos como escolher o que nos acontecerá, determinar a ordem dos fatos futuros. Ao mesmo tempo, pretensão seria acreditar que podemos controlar os humores que nos impelem dentro das situações. Por mais controladores que sejamos as emoções acabam por nos tomar. Então, deixamos de ser os cocheiros para sermos os cavalos atrelados numa carruagem a toda velocidade.

Entretanto, é opção nossa retribuir à vida os sorrisos que as gentes nos oferecem. Também é opção nossa valorizar aos sabores ou aos dissabores que carreiam as marolas nas marés de nossas existências.

Viver o hoje, pois a vida é agora, estar aqui porque aqui é o único lugar onde se está. Perceber que para o ser humano não existe tal coisa como a eternidade, esta é apenas um conceito, pois temos vida curta. Entender que não há nada absoluto, a absoluta felicidade, o absoluto amor, a absoluta abnegação- pois cada fato é precedido por motivos conflitantes e nossas reações são recheadas destes enfrentamentos.

Ou esperar para ser feliz quando o aumento for dado, quando os filhos saírem de casa, quando a galinha criar dentes, quando tiver emagrecido dez quilos. Ter tais posturas, isto sim, é escolha de cada um.

Pessoalmente, não preciso do futuro para autorizar a existência do meu presente e vejo o presente literalmente como um presente, uma graça ou uma conquista por ser boa. Afinal, a palavra bom vem de bonus que significa guerreiro e eu sou uma guerreira. Ou melhor, sou uma guerrilheira do prazer, uma hedonista kamikaze, uma contradição ambulante que se permite poesia, loucura, humor, profundidade, estudo- tudo num mesmo pacote.

Mas não são assim todas as pessoas? Ronaldo o Fenômeno, hoje fez o gol que fez a reviravolta do jogo para o seu time. Isto depois de anos contundido, fora de forma, gordo mesmo. Envolvido com travestis, chamando a si todos os preconceitos da sociedade. Simultaneamente, batalhando para seu retorno ao futebol, mesmo já tendo acumulado uma fortuna que durará até a sua próxima geração.

Eis que quando odiamos ou amamos alguém, estamos sempre odiando ou amando aquilo que sabemos existir lá no fundo de nós mesmos. Uma sorte que a nós também pode caber. Então resta saber de quê lado estamos.

Neste momento de glória para este homem, Ronaldo, atentar para esta trajetória cheia de tombos e tão humanas do atleta. Mas também, lembremo-nos de Cínara, a travesti que foi encontrada morta no Piauí, nua e cheia de facadas por todo o corpo, além de sinais de violência sexual.

Qual é o tamanho da frustração pessoal que faz alguém destruir algo de belo de forma tão violenta? Qual o tamanho do engodo que rege alguém a denegrir o outro até o aniquilamento?

Ah, são tantas coisas...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Contradições Mundanas I


Estranha a sociedade que vivemos onde impera o individualismo, mas ao mesmo tempo, uma das principais metas traçadas é a da conquista/sedução do outro.

Movimentam-se milhões de euros e dólares em busca do remédio perfeito para emagrecer, o xampu que deixe seu cabelo mais macio, a tintura que cubra seus cabelos brancos. Aliás, envelhecer? Jamais!

Botox, cirurgia plástica, drenagem linfática, liftings e quantas outras mais técnicas que são destinadas única e exclusivamente a evitar não a velhice em si, mas a aparência de velhice.

Por que tamanha preocupação com a aparência, se na hora de pensarmos as metas de vida somos encorajados a pensar apenas em nós mesmos? Família, namoradas, tudo que impeça a carreira é descartado como inoportuno. Casamentos e relações são descartados como roupas são trocadas. Em nome do indivíduo.

A palavra “privacidade”jamais foi tão usada. Tudo o que remete ao isolamento é visto como valor positivo. Depender do outro é coisa feia. Quem assume que depende do outro é visto como uma espécie de aleijão social. Bom é ser independente bom é ser autônomo.

Sim, muito bom ser autônomo. Mas que estranha autonomia é esta que procura de todas as maneiras espantar a velhice? Por que o momento de ter uma pele enrugada, seios murchos, pintos flácidos, são vistos como obscenidades? Ora, é natural envelhecer. Tal como depois da vida, sempre se seguirá a morte, democraticamente.

Por que não buscar a dignidade da velhice em vez de tantos meios, todos tão ilusórios, de rejuvenescer?

Neurônios não rejuvenescem. Fígados, baços, pâncreas, intestinos, ovários, gônadas, nada disso rejuvenesce. A coluna cria osteófitos. O corpo verga. Com botox apenas vergará de forma mais patética. Pois é patético o velho que quer ser jovem a todo custo.

A jovialidade, uma característica de humor e pensamento, esta nada tem a ver com peles esticadas a força e cabelos pintados e repintados. E a morte, esta convidada sempre tão circunspecta chegará para todos, sendo ou não esperada.

Pessimismo? Não. Definitivamente não.

Quem encara com naturalidade a morte procura fazer da sua vida, a cada dia, algo mais rico e pleno.

Dá prioridade ao que realmente importa.

Sabe que é melhor investir numa boa viagem do que numa cirurgia plástica. Deixa para só entrar na faca quando realmente precisar. E, se cair nesta tentação, de parecer jovem sem mais o ser, saberá reconhecer, com lucidez, a total falta de bom senso de atitudes inúteis como a de tampar o sol com a peneirinha do botox.

Sou pela vida, por saber que é sagrado o instante, cada um deles.

Godot nunca chegará. Então, vamos à vida!


terça-feira, 3 de março de 2009

Por Que Falamos Mal do Outro


Fulana é loura, linda e burra.

Falo mal dela porque é burra.

Mentira deslavada ou lavadinha, não importa. Fato é que falo mal dela porque é loura e linda. Ela pode até ser burra, mas ser burro não é o pior dos defeitos que alguém possa ter. Eu sei disso, todo mundo sabe disso, mas na hora de maldizer, vale a burrice porque quem relativiza os defeitos do outro acaba perdoando tudo e todos.

Quem pode ser mais chato do que aquele que não tem nenhum desafeto pra chamar de seu? Quem pode ser mais insuportável do que aquele que não fala mal de ninguém e só tece loas em homenagem a todo mundo? Socialmente, falar mal dos outros é virtude porque a maioria fala muito mal de todo mundo.

Ao se relativizar situações e pontos de vista, chega-se a conclusão de que a maioria das coisas que se fazem usualmente é perdoável. Quem tem uma visão mais larga de si e do mundo percebe claramente que poucas são as coisas feitas com o único intuito de ferir, poucas são portanto as coisas imperdoáveis.

Imperdoável. O que é imperdoável num mundo onde todo dia se caminha por ruas onde há meninos abandonados, gente cuja única posse muitas vezes é seu próprio corpo, vivendo abaixo de qualquer condição que o identifique como humano e não um bicho?

Se fôssemos realmente não perdoar alguma coisa, deveríamos antes de mais nada não perdoar qualquer sociedade ou sistema que permita uns com tanto e outros sem absolutamente nada.

Mas nós perdoamos. Chegamos a nos acostumar com o desumano. Passamos por gente maltrapilha, fedida, dormindo nas ruas, comendo com as mãos o prato de comida que lhes caem no colo- todo santo dia.

Beltrano é um babaca. Beltrano é de fato um babaca? Não é ou até às vezes é mesmo, mas o principal defeito de Beltrano muitas vezes foi tocar num ponto de nossas vidas sensível, consciente ou inconsciente deste ato. Ou ainda mais simples: Beltrano não gosta de nós.

Ora, não existe tal coisa como a unanimidade. Mas por outro lado, quem é que não gostaria de ser amado por todos, judeus e palestinos, gregos e troianos, comunistas e capitalistas, flamenguistas e vascaínos?

Em geral, somos movidos a carências.

Carência sexual, carência material, carência afetiva, carência intelectual, carências. Em nossos melhores momentos, somos movidos por ideais e deixamos de lado o nosso mundinho para abraçarmos causas maiores que a largura de nosso umbigo. Mesmo assim, quem já não entrou para um determinado movimento político ou religioso para paquerar alguém que achou bonito? Eu já, desde logo admito.

Raramente nos importamos com os outros, considerando a própria alteridade do outro. Estamos imersos, quase que permanentemente, em nossa própria incompletude, tentando, por todos os meios, dar vazão às nossas ansiedades. Temos raiva, sem razão alguma que justifique, daquele que externou opinião diferente da nossa ou simplesmente demonstrou ter algo que nós não temos.

Ninguém falaria mal de ninguém se todos estivessem satisfeitos consigo mesmo e com o mundo. Como o mundo é cruel e em geral vivemos ansiosos e entediados, eis então que rapidinho assumimos que Sicraninha é uma grande filha de puta. E eis que Sicrania é uma pessoa generosíssima em verdade. Mas eis que hoje, tal como me sinto, fulana é uma grandecíssima cretina porque só ela, a idéia do que ela representa no mundo, dará vazão ao meu desconforto existencial.