domingo, 8 de março de 2009

Contradições Mundanas- II


Se observarmos bem, a cada dia, a vida nos floriu como um buquê. Um buquê de sorrisos, de imprecações, de lágrimas, de sustos. E este buquê não é constituído por grandes eventos, grandes afetos, grandes coisa alguma. São pequenas conquistas, um passo a mais, um dia a mais. Bom dia, o primeiro bom dia que recebemos logo ao sair de casa.

Não há como mensurar as coisas. Mas quando um homem me dá uma informação de como chegar a algum lugar e me diz algo gentil e sorri, isto é uma pequena vitória do que há de mais simpático em todos nós e que nos constitui como humanidade. Afinal, um sorriso não custa nada, mas uma agressão também não.

Quando a atendente da loja de Xerox comenta algo engraçado com uma cliente a quem ela jamais viu na vida, eis aí outra pequena graça. E se o garçom fizer questão de me dar à garrafa mais gelada do meu refrigerante predileto meio a uma onda de calor, o que será isso se não mais uma benção do acaso e confirmação de nossa civilidade?

Sem dúvida, a felicidade é a soma de pequenas felicidades. Da mesma forma como a infelicidade é o agrupamento de pequenos desastres.

Ao longo dos nossos dias, temos amostras de cada um desses fatos que nos fazem sorrir ou xingar ou chorar. Cada um de nós se movimenta para o centro onde acontecerão estes eventos. Cada um de nós experimentará de forma diferente ao que o circunda. De acordo com isso, diremos que estamos bem ou mal.

Meu filho, torcedor fanático do seu time de futebol, rumou para São Januário à uma hora da tarde de hoje para comprar ingressos para o jogo e cozinhar até a hora em que começaria a partida. Debaixo do sol a pino, num verão senegalês, ele e um amigo tomaram ônibus e cantaram os hinos das torcidas que lotam as conduções até o bairro onde se localiza o estádio. No mesmo ônibus, outras pessoas, talvez até indo ao mesmo jogo, encaravam com mau humor ao sol, ao barulho, a tudo em volta, inclusive a estes jovens bem humorados. Quando não estamos bem, a felicidade dos outros incomoda quando deveria nos exaltar à mudança.

Não temos como escolher o que nos acontecerá, determinar a ordem dos fatos futuros. Ao mesmo tempo, pretensão seria acreditar que podemos controlar os humores que nos impelem dentro das situações. Por mais controladores que sejamos as emoções acabam por nos tomar. Então, deixamos de ser os cocheiros para sermos os cavalos atrelados numa carruagem a toda velocidade.

Entretanto, é opção nossa retribuir à vida os sorrisos que as gentes nos oferecem. Também é opção nossa valorizar aos sabores ou aos dissabores que carreiam as marolas nas marés de nossas existências.

Viver o hoje, pois a vida é agora, estar aqui porque aqui é o único lugar onde se está. Perceber que para o ser humano não existe tal coisa como a eternidade, esta é apenas um conceito, pois temos vida curta. Entender que não há nada absoluto, a absoluta felicidade, o absoluto amor, a absoluta abnegação- pois cada fato é precedido por motivos conflitantes e nossas reações são recheadas destes enfrentamentos.

Ou esperar para ser feliz quando o aumento for dado, quando os filhos saírem de casa, quando a galinha criar dentes, quando tiver emagrecido dez quilos. Ter tais posturas, isto sim, é escolha de cada um.

Pessoalmente, não preciso do futuro para autorizar a existência do meu presente e vejo o presente literalmente como um presente, uma graça ou uma conquista por ser boa. Afinal, a palavra bom vem de bonus que significa guerreiro e eu sou uma guerreira. Ou melhor, sou uma guerrilheira do prazer, uma hedonista kamikaze, uma contradição ambulante que se permite poesia, loucura, humor, profundidade, estudo- tudo num mesmo pacote.

Mas não são assim todas as pessoas? Ronaldo o Fenômeno, hoje fez o gol que fez a reviravolta do jogo para o seu time. Isto depois de anos contundido, fora de forma, gordo mesmo. Envolvido com travestis, chamando a si todos os preconceitos da sociedade. Simultaneamente, batalhando para seu retorno ao futebol, mesmo já tendo acumulado uma fortuna que durará até a sua próxima geração.

Eis que quando odiamos ou amamos alguém, estamos sempre odiando ou amando aquilo que sabemos existir lá no fundo de nós mesmos. Uma sorte que a nós também pode caber. Então resta saber de quê lado estamos.

Neste momento de glória para este homem, Ronaldo, atentar para esta trajetória cheia de tombos e tão humanas do atleta. Mas também, lembremo-nos de Cínara, a travesti que foi encontrada morta no Piauí, nua e cheia de facadas por todo o corpo, além de sinais de violência sexual.

Qual é o tamanho da frustração pessoal que faz alguém destruir algo de belo de forma tão violenta? Qual o tamanho do engodo que rege alguém a denegrir o outro até o aniquilamento?

Ah, são tantas coisas...

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