segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Deuses Egípcios e Eu


Os deuses egípcios fazem duas perguntas para decidir se uma pessoa irá para o paraíso ou não. A primeira é: você já encontrou alegria? A segunda é: e você trouxe alegria para as pessoas que o cercam? Dependendo destas respostas, as portas do paraíso se abririam. Mas o que é o paraíso para cada um? Com isso, eu completei o trabalho dos deuses egípcios, porque de nada adianta um paraíso se ele não tem a nossa cara.

Quais suas três respostas?

Para mim o paraíso começa com uma música de caixinha de música, totalmente Belle Epoqué porque não sou deste tempo.

Nele encontro meu filho em todos os seus mais belos momentos, desde o instante em que nasceu, até seu primeiro sorriso sem dentes, passando por cada instante em que senti que ali estava uma pessoa com toda a profundidade que o ser pode ter.

O doce de leite de minha avó e seus bracinhos pelancudos, que me faziam feliz. Minha mãe, tranqüila, como em raros momentos a vi, minha tia, ainda vaidosa. Meu tio ouvindo no radinho de pilha os jogos de futebol.

Meu passeio de barco na Holanda com minha amiga Manita. Minha cachorrinha Rita. O cheiro de jasmim. Eu quando criança, ainda acreditando que tudo é possível. A chuva e a terra molhada. Matar aula para ir à praia. Dançar no salão do Parque Lage Sonhos de Uma Noite de Verão. Cantar no Maracanazinho para uma multidão. O show do Gil no Circo Voador.

O primeiro beijo, o pão da padaria debaixo do braço, o moço amigo da minha prima mais velha. Menstruar no dia seguinte pela primeira vez. Cantar na porta da igreja em Ouro Preto. Namorar o francês em Ouro Preto. O canadense no Peru. O holandês no canal. O fotógrafo em Ilha Bela. O bêbado em Cunha. O artista plástico na ladeira. O jornalista em Santa Tereza. A minissaia de couro preto e nossas aventuras.

Ouvir o pai do meu filho tocando uma canção feita para mim. Namorar na lua cheia de Buda em Alegria. Conceber uma vida inteira à luz de velas e ao som de violões, corujas, sapos e grilos no quintal. Caminhar nos jardins de Versailles com ele e as flores. O friozinho dos Alpes. Nós sempre juntos, na lua cheia sobre Callal.

Muitos meninos e meninas na sala, risos e jogos. Os amigos por perto, celebração.

Sim, encontrei alegrias. Sim, trouxe alegrias para os que me cercam. Nasci para viver no paraíso.

domingo, 23 de novembro de 2008

Tamagoshi, O Blog


Se não dá comida, o bicho evapora... Então, deixa-se de viver para escrever, ou se vive escrevendo? Porque ou bem vou à praia, ou bem venho pro computador. Computar a dor. Porque existir sempre dói, de um jeito ou de outro. Dói até quando se ri. Porque rir é muitas vezes apenas outro jeito de não chorar ou mesmo de chorar de forma tão camuflada que se dá muitas gargalhadas.

Tenho um sonho. Mal vejo seus contornos. É um sonho de ser total. Como o da flor que com a borboleta faz laço de fita, como ser chuva, uma menina molhada que desobedece a mãe e não sai da rua, a brincar.

Quero que teus olhos não persigam minhas letras. Olhe lá fora, vê a luz? Ouve a vida? Sinta esse cheiro de vivo. Tudo o que é vivo respira e tem cheiro. Mesmo que seja entre esgoto e detritos, havemos de conseguir pintar uma aquarela e fazer beleza que resista. O verso verdadeiramente livre nunca foi escrito, está nas bocas a passear suas lonjuras.

Quero cantar, romper limites entre a canção e o cantor, dissolver o bom senso, que só vê quando não escuta palavra alguma. Quero ir lá, onde ninguém está, só eu. Cada um persegue a si mesmo do jeito como mais lhe apraz, eu sei muito bem que as leis foram feitas para serem burladas tal como os muros para serem pulados.

Ser a pedra que rola, ser quem canta e dá a luz. Explodir em mil letras e deixar que o meu sentido seja em vez de explicação, sensação. Em vez de direção, ação completa. Arte é pra isto: perder-nos de tal forma que no fim, encontremos este nada tão precioso que, no entanto fazemos questão de perder todos os dias.

Eis que viver é disto mesmo que se trata. Não sei responder tuas perguntas. Sei ser minhas respostas. Nada além.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Oração Anti-Caretice


Ai que me dá alergia toda essa caretice...

Posso não saber o que quero, mas sei direitinho o que não quero.

Não quero nem a menor nem mais remota proximidade com quem acha elegante o tailleur bege, que faz questão de ter conjunto de sapato e bolsa, que o comprimento da saia ou do cabelo tem de ser de acordo com a idade da pessoa.

Tenha santa paciência. Meu desejo é meu, antes de tudo e sobre tudo. Não uso calcinha todos os dias. E não to nem aí pro fato de se isso é de acordo ou não com a minha idade ou posição social.

Já passei da idade de carregar bandeiras e todo mundo já entendeu que sou uma metamorfose ambulante, além de defensora de putas e rebeldes sem calças. Nem por isso, quedei-me plácida na poltrona da memória assistindo filminho atrás de filminho.

Meu filme faço-o eu mesma. Minha novela é igualmente a minha, a que eu faço, e nela sou a vilã e a mocinha.

Quando nada tenho a dizer, arranco minha língua da boca e a mostro para os visitantes. De mãos abanando ninguém sai da minha casa. E minha casa é o mundo, os ventos são meus anfitriões.

Não, não ouço vozes. As vozes que ouço são todas minhas e se chamam poesias. Minhas alucinações eu mesma as crio.

Comigo sempre há algo acontecendo. Na pior das hipóteses, comerei pudim quando deveria estar de dieta. Porque minha terra natal é pródiga em gremlins, feras cheias de dentes e duendes de jardins.

Meu lugar? Ah, não sei qual é. Sei que pago para estar onde estou e onde estou é e para sempre será exatamente onde o sem sabor e sem humor não estiver. Chega de adiposidades mentais. As piores gorduras provêm não dos chocolates, mas de acreditar no estabelecido e nunca questionar o óbvio.

Que venham a mim as feras, os loucos, as crianças, os alucinados, os beatificados, os fora de mão. E que de mim fujam os chatos, amém.

Certamente, de nada adianta ser tão despachado sexualmente e tão bitolado no restante da vida.

Certamente, não vale nada a liberdade quando apenas para se seguir os caminhos que outros já fizeram.

A única coisa que realmente vale, em se tratando de vida, é criar e apostar vivendo. Que me esquartejem os desejos e me esculhambem os cupins. Eu posso.

Se estiver sozinha, mas me mantiver bravia, a vida ainda assim, fará sentido. Não é a companhia o que me falta. O que me falta é a paciência pra lidar com tanta mediocridade. O que me falta é saco pra aturar tanta falta de imaginação.

Falta-me amor? Não, amor não me falta. Falta é um pouco dessa matéria que faz explosões e revoluções. Falta é um pouco de calor. Calor eu faço quando me movimento. Em suma, posso perfeitamente estar só. Contanto que ardente.