domingo, 26 de abril de 2009

A Diferença Entre Gurus e Psicólogos


Dado que a maioria confunde tanto o poder do psicólogo quanto o significado de ser psicólogo, vale aqui explicar algumas coisinhas, a grosso modo, para que nós, pessoas letradas, não façamos a mesma confusão boba.

Guru é uma palavra que em sânscrito quer dizer Gu= Luz e Ru=Escuridão. O Guru é uma luz na escuridão, um exemplo vivo a ser seguido.

Gurus podem levitar curar gente só botando suas sagradas mãos sobre a pessoa e uma infinidade de outras coisas que os textos místicos nos contam.

Já psicólogos são apenas profissionais que estudaram durante uns cinco anos em média sobre o comportamento, a fala e a mente humana.

Como estudiosos disso, podem ajudar pessoas a passarem por seus períodos difíceis ou ainda ensinar a lidar com problemas relativos ao comportamento que eventualmente incomodem ao cliente.

Um psicólogo não é um exemplo a ser seguido, havendo inclusive psicólogos excelentes que não só são neuróticos como podem eventualmente ser psicóticos. Na minha faculdade havia um menino borderline (ou seja, com um pé na neurose e outro na psicose) que se formou com louvor.

Um psicótico sem estar em surto pode dar um excelente psicólogo, até porque é mais capaz de traduzir a fala do psicótico pela própria empatia que terá com pacientes em surto.

Sobre o assunto de como é ser psicólogo na contemporaneidade temos o Mentiras no Divã de Irvin Yalom ou Psicanálise, Profissão Impossível de Janet Malcolm, ambos muito úteis para desmistificar um trabalho que é como outro qualquer: me pague que eu te ajudo.

Talvez não seja tão simples ajudar uma pessoa que sofra de angústia, síndrome do pânico ou anorexia. Mas mesmo assim, a coisa é por aí- talvez só de uma forma menos objetiva já que a ciência da psicoterapia até hoje não conseguiu se provar uma ciência nos moldes clássicos da Física ou da Química.

Trabalhamos com o inexato, com o particular, com o subjetivo, com as individualidades, com nossa capacidade de traduzir o outro e termos por ele empatia. Não é simples. Mas não chega a ser coisa para Iluminados que meditam 18 horas por dia e estão acima do Bem e do Mal.

No mais, a pessoa do psicólogo pode ser sujeita a doenças mentais exatamente como seus clientes- o que não quer dizer que quando este esteja bem não possa vir a ser um excelente profissional.

O psicólogo só estará incorrendo em erro quando utilizar seu trabalho para influenciar politicamente seu cliente ou quando usar de seu lugar de suposto saber para de certa forma “desdizer” ou desqualificar as escolhas religiosas e/ou sexuais de seus clientes. Também estará incorrendo em erro quando se utilizar da paixão transferencial que provoca em seus clientes para benefício próprio, além do natural trato monetário que é previamente estipulado com cada pessoa com quem trabalhará.

E isto é o que é. Nem mais, nem menos.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Inveja, Eu???


No Talk Show de Elisa Lucinda, “Parem de Falar Mal da Rotina”, a atriz pergunta num dado momento, para uma platéia de quatrocentas pessoas quem é racista e ninguém levanta a mão.

O racismo no Brasil é fortíssimo e travestido de muitas coisas. São tantos os mascaramentos do racismo que numa platéia de quatrocentas pessoas, ninguém admite que possa ser um racista.

Com a inveja sucede-se o mesmo. Sendo assim, a inveja traveste-se de sentimentos mais aceitáveis, como é o ciúme, primo feio da inveja- ou de admiração, primo bonito da inveja.

Uma pessoa pode admitir facilmente ser ciumenta, quando em verdade é invejosa. Também é mais fácil pensar-se ciumento do que homossexual. Muitas atrações homossexuais mal resolvidas também se mascaram de ciúmes- que não tem implicações de ordem social mais sérias como seria o caso de assumir-se gay ou lésbica- até hoje ainda muito discriminados.

Digamos que aquilo que as pessoas denominam de ciúme é um amálgama confuso de várias possibilidades, dentre elas a mais forte seria a da inveja.

Talvez por isso, o lugar comum da terapia do ciúme seja o reforço à auto-estima. Seja em se tratando de um ciumento como de um invejoso, o “remédio” da auto-estima tem o poder de minorar as dores deste sentimento que nem sempre se reconhece.

De fato, quem tem uma boa auto-estima não fica pegando no pé do (a) parceiro (a). Se acreditar que sou uma pessoa especial, que minha presença na vida do outro é razão de prazer e felicidade, por que pensarei que o outro irá me abandonar ou me trair?

Já estando na posição inversa, sentindo-me de menos valor, mais inseguro quanto às minhas potencialidades como homem ou mulher, todo instante é o momento certo para que me traiam e qualquer pessoa é um rival em potencial- porque não se vale nada quando se tem baixa auto-estima.

O ciúme é algo tão bizarro, que há quem tenha ciúmes do passado do (a) companheiro (a). Para o ciumento nem a morte é obstáculo para o ciúme, como era o caso de Joel que se enfurecia ao falar de um ex-namorado já falecido de sua atual esposa. Este namorado era campeão de velas, exímio instrumentista no violão, rico, levava Joana para viajar praticamente uma vez por mês a lugares os mais exóticos do globo. Aquela vida rica e movimentada que o outro proporcionava a Joana: era isso que ele sabia não ser capaz de fazer. Então, seria isso ciúme ou inveja? Difícil de saber, já que meu próprio cliente não sabia fazer esta distinção.

Para o ciumento, seu par não trabalha, não come, não dorme, não faz outra coisa salvo sair com outras pessoas e divertir-se muito. E isto pode ser inveja: inveja de uma vida movimentada e divertida que não se tem competência ou energia para realizar.

Gostar mais de si mesmo, tornar sua vida algo mais próximo e presente. Pensar que mesmo a mais insípida das rotinas pode tornar-se algo engraçado, curioso, mágico: este é o antídoto dos ciumentos, que muitas vezes, nem ciumentos de verdade o são.

Não há limite para a criatividade humana, então depende mesmo de cada um tornar sua vida, hoje mesmo, algo mais divertido e digno de ser vivido.

Agora, milagre é mais caro. Quem nada faz nada consegue. Não há uma receita de bolo pronta para incrementar sua auto-estima ou para tornar sua vida mais rica até nos seus aspectos mais repetitivos.

Se sua imaginação nada indicar, comece atravessando a rua e andando para o caminho de seu trabalho por outra calçada. Em vez de se limitar a subir e descer de elevador quando o chefe mandar suba de escadas e o faça dançando. Aliás, faça tudo dançando. Recupere os alongamentos perdidos de seu corpo, torne-o mais ágil e tonificado.

Recuse-se a fazer tudo sempre igual. Olhe para o mundo como um turista que chegou hoje ou como uma criança que vê tudo pela primeira vez- mesmo quando é a milionésima.

O segredo das pessoas interessantes é este: ser bem humorado, não por fora, como uma mera pose social, mas por dentro mesmo. Ria e dance com a vida. Logo verá que não há motivos para inveja. E que se o seu (sua) namorado (a) o (a) abandonar, quem sairá perdendo será ele (a).

Não há ninguém no mundo mais interessante do que você. Acredite.


sábado, 11 de abril de 2009

O Nada


Ela sonhava uma tristeza sem dor, ela sonhava que era normal. Sua vida era toda assim, mais ou menos, com sonhos sem luz e quase sem sons. Ela dizia que estava alegre, mas na verdade, sentia-se geralmente quase igual, numa coisa que se adaptava ao que lhe cercava.

Ela era uma criatura global. De uma normalidade normal, de uma falta que faltava a todos e que em ninguém nem nada excedia.

Não tinha motivos para fazer, não fazia. Sentava-se, por horas a fio diante do nada. Nenhuma vertigem. Só a sensação do tique taque do relógio que nunca dava trégua.

O nada em nada se parecia com o nada.

O nada até parecia com uma Revista Caras, com as decorações da Casa&Jardim, com o jornal O Globo. O bonequinho aplaudia de pé o nada. Que nada era, mas ficava na sua, sem brilho, nem amor. Amor dá trabalho demais. Então, melhor sem.

O nada parecia cheio de coisas. Só ao se olhar no detalhe é que se percebia: nada daquilo tinha a menor importância, o nada é evanescente. A moda que é hoje e que amanhã é cafona, depois brega, depois out. Depois, nada. O nada é cheio de armadilhas aos que afoitos acreditam num sentido da vida fora de si mesmos.

Eis que ao nada lhe apetecem as almas jovens e descarriladas.

Nela doíam coisas, coisas que eram ela mesma. O fígado, o cotovelo, a cabeça. Doía ao andar, doía ao levantar. Mas tudo o que doía ela esquecia porque assim ela vivia: a esquecer. Esquecia-se. Das tristezas, que nem bem eram tristezas. Das alegrias, que mal e mal. Dos amores, que nunca acompanhavam. Dos desafetos, que nem se afetavam.

Se ela sumisse seria como se nem tivesse estado. Pobre criatura quase borboleta só que com vida muito mais comprida que os dias de uma semana inteira das borboletas.

Como num eletrocardiograma da alma, ela se coisificava e ela até o fim, nunca reclama. Nunca reclamou. E se foi. Como se jamais tivesse chegado. Uma criatura que habitou o seu corpo, entre o ombro e o pé, mas que jamais deu por si.