quarta-feira, 30 de setembro de 2015

âncora

vejo esta âncora. Sua tinta comida pelo mar. Suas pontas elegantes. Penso suas profundezas. Convite à imobilidade. Igualmente, convite a zarpar. Em cada centímetro do objeto que olho, uma melodia diferente. São tantas as sereias. Tão poucos os que as seguem até o fim do mundo. Em tudo o que há, cabem tantas mensagens quanto os goles da nossa sede. Nas línguas vivas e mortas, as estrelas nos guiam enquanto as âncoras nos fundeiam. Diga-me com o que sonhas que te direi se voas ou afundas. Entretanto que não se iludam os pragmáticos: voar ou afundar dá no mesmo. O vôo e a queda são cozidos por vertigens

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Até Ano Que Vem Querido Inverno Carioca

Montes de adoradores da Primavera e eu cá com saudades do mini-inverno carioca. Sim. A única estação do ano no Rio onde sou perfeitamente feliz é o inverno. Exatamente porque no inverno dá pra você passar umas cinco horas sem tomar banho sem ficar mequetrefe, mal cheiroso e mal humorado, pegajoso.

O inverno carioca é tudo de bom. Para os que odeiam invernos, proponho um inverno no Rio. Pago um café da manhã e aposto que quem vier ao Rio no período do inverno será feliz e saberá disto.

Aquele ar fresquinho, que chega lá no fundo do pulmão, aqueles azuis com nuvens fofas e fotogênicas é simplesmente uma alegria olfativa, visual e tátil. Não tem depressão que resista a estas cores do inverno daqui. Que certamente não é como o de Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, São Paulo. Nosso inverno tem sotaque de Caetano Veloso antes de Paula Lavigne, com um pouquinho de Maria Bethania passeando com seus longos cabelos grisalhos e toda de branco na Cobal do Leblon somados a Adriana Calcanhoto sorridente longe das câmeras dando pinta ali na Gloria.

Pra você que lê quinhentos mil arrastões por verão e jamais entendeu porque seus amigos continuam no Rio sugiro uma voltinha nestes meses de inverno. A gente fica aqui porque nosso inverno pequenino é assim. Reclamaremos do verão, dos arrastões, da alta do dólar, da polícia preconceituosa, da falta de sentido da existência enquanto silenciosos sobre nossos reais benefícios aspiramos contentes o frio ar da manhã cedinho no inverno solar.

Até breve querido inverno solar carioca. Cá fico, cá te espero. Love You.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

A Vida Sem Devaneios

Sou uma sobrevivente. Vivo sem pé, sem cabeça, sem eira, nem beira. Vivo sem trabalho, sem namorado, sem terra, sem flor, sem chão. Sonho é coisa que acontece lá num lugar aonde vivem as baratas. Tenho muito de barata, inclusive antenas. Passei tanto tempo sem palavras que minha língua virou trapo. Com as redes sociais comecei a xingar todo mundo que parecia ter tudo o que me falta, não parei mais. Não tenho história, não tenho cultura, não tenho educação. Vivo num estado intenso de falta de tudo. Inclusive devaneios. Nada leio, só bobagens, que levo muito a sério. Sobrevivo. Sem mim. Não sei quem sou nem quero saber. Sou meu selfie pregado na página que não tem papel nem nada do meu perfil do feicebuko. Vim encontrando muitos como eu. Depois de tudo, depois deste tempo de frufrus, de gente metida a sebo, seremos nós com nossas armas. Não teremos o que comer, comeremos a nós mesmos. Baratas jamais são unidas. Baratas são. Nós aprendemos com as baratas o valor do lixo. Não precisamos da civilização, até pelo contrário. Civilização nos atrapalha. Mas até a isso venceremos porque já aprendemos a digerir o baygon. Se um de nós cai, já vem mais mil. Chega de palavra. Chega de história. Chega de saber. Não sei porra nenhuma, só sei continuar. Moto contínuo, avanço incansável. Até que tropeço. Tropeço em mim. E começo a roer o pouco que de mim sobra. Eis minha obra:

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

esquisitices e chuva

as nuvens lá fora não chovem mais do que eu

pingo a pingo me desfaço em chão
o chão se abre
os abismos chamam
felizmente
em mim mora a desmemoria do meu tempo
eu sou todos os desconhecidos
e os desconhecidos brigam entre si
rosnam
latem
correm rabos em pernas
abaixo do nível do mar


meu nome esqueci

fiquei dias sem aparecer


a tela cada vez mais escura
chovi até a última gota
roendo a última gosma
aprendo
o caminho das pulgas
fica ali entre as pedras
as perdas e danos
os tantos anos pra me tornar
uma sombra maior
um imenso guarda chuva
a flutuar finalmente livre
entre os ventos
sem mim

a

sábado, 5 de setembro de 2015

Muita Coisa Absurda Junta

Aylan e Galip não saíram dos meus pensamentos. Eles são milhares. Hoje, no mundo, há milhares de refugiados e nós aqui no Brasil temos diariamente muitos Aylans e Galips sendo mortos a tiros nas favelas, nas ruas, nas escolas. Todos os dias. Sem que ninguém lhes faça uma boa foto. Guardada a distância de no mundo árabe serem ditaduras progressistas e aqui ser uma democracia, nós também tivemos na América Latina ditaduras financiadas pelos Estados Unidos. Pois sempre há USA por trás de cada bomba que explode em algum canto do mundo. Os mocinhos da 2a Guerra Mundial que salvaram a Europa do nazismo com o passar das décadas se tornaram vilões. Mas se eles sozinhos fossem vilões, Aylan e Galip estariam a uma hora dessas no Canadá jogando futebol com outras crianças. Não, os USA não são o demônio. O demônio são todas estas grandes nações poderosas que se recusam a dar vistos, que se protegem dos estrangeiros, não importa quais circunstâncias os tenham feito migrar.


A riqueza do mundo é tal que ninguém hoje precisaria passar fome. A riqueza do mundo hoje é tal que ninguém precisaria entrar em guerra. A riqueza do mundo hoje é tal que ninguém precisaria roubar e matar. Mas a riqueza do mundo está concentrada na mão de muito poucos que protegem suas riquezas, não à vida humana. Nós somos, para eles, apenas números, apenas ratos a serem devidamente mortos.


Ainda haverão muitos outros imigrantes. Há países inteiros afundando, catástrofes naturais e climáticas, além de guerras estão acontecendo. As fronteiras deveriam acabar. O mundo deveria ser solidário e receptivo aos que tomam a difícil decisão de migrar. Não é fácil migrar, nem mesmo quando o lugar de onde se sai está em guerra. Porque somos conservadores, porque queremos conservar nossas famílias, nossos amigos, os cenários conhecidos por onde andamos, nossos vizinhos, nossas rotinas. Quebrar isto tudo demanda um desejo férreo por parte de quem decide ir embora.



Está na hora dos ricos do mundo botarem a mãozinha na consciência e pensar: meu dinheiro vale mais que o sorriso de Aylan e Galip? Ninguém deveria passar por isto que esta família passou. E há tanta riqueza! Basta ver o que se faz para se conseguir atrair os ricos.



Ontem fui no Casa Cor, um evento feito para ricos de todos os portes. Casas belíssimas feitas decoradas com as tendências mais incríveis do momento, todo um aparato só para este evento de poucos dias de duração, onde se movimentam negócios de muitos e muitos milhões de reais. Crise? Crise pra quem cara pálida? Crise fabricada para desestabilizar o governo do PT isso sim. Há muitos anos. E não me falem dos corruptos porque pelo que fica cada vez mais patente, o que não faltam são corruptos de vários outros partidos. Mas só se dá notícia do PT. Só interessa queimar o PT. Como se o PT fosse o demônio. Não é.


Se fosse era fácil: acabar o PT resolveria todas as mazelas do Brasil num toque mágico. Como bem disse Leandro Karnal, eu também trocaria Hamlet por Paulo Coelho se fosse assim tão facinho. Não é.



A corrupção está em nossa cultura, cheia de gente que quer tirar vantagem e lesar o próximo. Até nossos ciclistas são selvagens e jogam suas bicicletas em cima dos outros sem cuidado e sem pensar que a preferencia é sempre do pedestre. Os carros e ônibus atropelam os ciclistas e motociclistas que por sua vez atropelam os pedestres, que são atropelados por todos os demais, além dos ciclistas.


Não existem demônios. Nem a Veja é um demônio. A Veja, com suas capas ridículas, suas matérias para vender escândalos. Seria apenas uma revista infantil e patética se não fosse o fato de que são os que a consomem que são infantis e patéticos.


Somos analfabetos políticos. Desconhecemos a História, somos uma nação que quase não lê, quase não se informa de nada. Somos um povo que fala que Lula é analfabeto mas a maioria é muito ignorante, bem mais que o Lula que de analfabetismo político e econômico com certeza não sofre.


A Veja vende por causa disso. Os vilões não são os jornais e as revistas. Isto fica óbvio nas redes sociais onde cada um escreve o que quer e vemos tanta gente ignorante, tanta gente boçal, tanta gente violenta. Os jornais seriam melhores se nós fôssemos melhores. A Veja já teria mudado sua linha editorial se não vendesse com capa de urso panda arreganhando dentes.


Quantas crianças precisarão ser mortas para que cada um decida estudar um pouco da história do seu país e depois a história dos outros países, de forma a assim se tornar menos massa de manobra de interesses escusos?


Os demônios somos todos nós, que achamos que a desgraça alheia nada tem a ver conosco. Que diante da morte, só pensamos que nossos filhos estão bem. Será mesmo que estão? Será que é possível qualquer um estar bem com tanta coisa absurda junta?

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Menino Sírio, Menino Carioca

O poder não é uma simples ilusão simbólica como querem fazer crer alguns. Não é uma ilusão que a OTAN promoveu a Primavera Árabe para desestabilizar as ditaduras progressistas que eles próprios instalaram em torno da Síria, Líbia e outros. Não é uma ilusão que a Síria era um grande estado forte e que não curtia Israel- fato que no mínimo atrapalha os negócios.


Não, não basta a vontade e a potencia juvenis para desfazer os grandes interesses, a política e a economia mundial. Não, não dá pra reinventar a realidade todos os dias só porque eu quero, tu queres, ele quer. Não dá não. E tampouco é verdade que maio de 68 foi o lugar de ruptura do antigo mundo das utopias e o fim das teleologias.


A teleologia está muito viva quando vemos que os jornais brasileiros refletem o desejo das nossas classes médias, ansiosas por desfazer a política instalada pelo PT após 12 anos de governo- uma política muito diferente das anteriores, por mais que desejem reduzir a pó todas as ideologias, todas as possibilidades políticas de novos horizontes ligados ao trabalhador e ao trabalho. Lula nunca foi comunista, nem mesmo socialista. Lula foi um metalúrgico. Homem do povo e carismático líder político que sabia muito bem aonde estava: Brasil, país dos latifúndios, das oligarquias, onde governam até hoje velhas famílias com nome e sobrenomes bem conhecidos há séculos seculorum. Falou mal do Sarney e do PMDB sim, para alcançar o poder. No que o alcançou se aliou a ele. Simplesmente porque não dá pra mandar matar esta gente, estas velhas famílias que estão no poder há tanto tempo. Você cria alianças para poder governar. Coisa que Lula não precisou de nenhum cientista político que lhe explicasse.


Mau caratismo do Lula? Coisa nenhuma. Realismo, pragmatismo político. Política é a arte das alianças, Maquiavel já sabia. É má fé uma pessoa que já tenha lido algum texto de Maquiavel tratar do fenômeno Lula como o fazem os ignorantes deste nosso imenso país com tantos ignorantes. Lula é um cara que não precisou estudar Maquiavel pra perceber o que está na cara de qualquer um que algum dia já tenha estado no planeta Brasil. Que não é tão diferente da Síria, se pensarmos bem.



Estes países todos do mundo se assemelham. Suas práticas políticas se assemelham. Temos culturas com bases diferentes, óbvio, mas por exemplo, o Podemos não é muito diferente do nosso PSOL. Há tantas e tantas semelhanças como também há diferenças, se focarmos aqui ou ali.

Com certeza, o menino sírio não é diferente dos milhares de meninos que aqui são aliciados pelo narcotráfico e morrem ainda pequenos debaixo de tiro achado ou perdido. Somos todos humanos, macacos pelados. Sozinhos, somos frágeis. Juntos, somos ferozes predadores. E nós, mães do mundo, choramos a morte de todas as criança sobre a Terra. Tal como nos encantamos com os filhotes de gatos, cachorros, tigres, onças, todos os mamíferos.