terça-feira, 11 de março de 2014

envelhecer

Envelhecer é uma coisa muito esquisita.

A primeira coisa que me deu o sinal de gastura foram os olhos. Me lembro como fiquei escandalizada com o diagnóstico do oculista: vista cansada. Achei estranho aquilo, pensei que ele ia me dar um remedinho e como de todas as outras vezes que fui ao médico, depois de uns três dias iria ficar curada daquele negócio de não ver direito as coisas próximas.

Depois dos olhos, a parte estranha foi a pele. Fui na dermatologista pra saber daquelas estranhas manchinhas brancas na pele já achando que eram câncer, claro, e pra minha surpresa, que câncer que nada, aquilo era simplesmente um dos sinais que eu estava envelhecendo. Não tem remédio pra isto? Tem certeza? A dermatologista tinha. E continuei tendo cada vez mais manchinhas brancas pela perna afora.

Daí em diante eu comecei a entender que estava inexoravelmente envelhecendo e que a velhice não era uma coisa com remédio. Era o tal do ato natural, que acontece com todos os seres vivos. E comecei a entender que nossa cultura tem umas questões esquisitas sobre estes pequenos fatos naturais.

Um homem quando fica com cabelos grisalhos é um gato. A mulher? Ah, não, minha filha, não deixe seu cabelo sem pintar, isto é feio, você fica acabada. Velha. Velha é feio, velho é bonito. Estranho isto de que velha é feio quando vejo claramente nos olhos dos homens- não todos, óbvio, mas isto sempre foi assim, nem todos acham que o azul é lindo e preferem o amarelo- que alguns me desejam, do mesmíssimo jeito. Sempre percebi estas coisas, do andar e ver que há homens no meio da rua que dizem com os olhos "ai se eu te pego". Estes olhares continuam. Então, como é que é isto de que ser velha é feio, de que cabelo grisalho em mulher é feio se eu continuo parando trânsito?


Podem achar que sou metida. Devo ser, mas acho que não. Trata-se de uma constatação simples. Parava aos 20, parava aos 30 e continuo na minha saga de parar o trânsito aos 54. Não digo isto para afrontar ninguém, nem para dizer que sou fodástica. Não.


Muitas mulheres são assim como eu e param o trânsito. Muitas mesmo. Algumas não percebem que fazem isto, outras sim. A maioria não confessa, têm vergonha de sua potência. Muitas ainda não descobriram o seu potencial "parador de trânsito". Sei lá porquê. Talvez estejam sendo massacradas por todo um exército de gente cujo principal objetivo na vida é diminuir o outro, subjugá-lo, amesquinhá-lo para assim se sentirem mais poderosas, maiores e melhores que o que são. Vá saber.


Com certeza as que estiverem neste o caso, um dia, livres dos antolhos da timidez ou da cretinice destes que chamo de "dominadores de gente" descobrirão com o tempo que são maravilhosas e param o trânsito sim. Ou não. Mas tendem a descobrir sim. Mesmo que em segredo.


Segredos e mulheres são quase sinônimos. Afinal, faz parte do pacote da cultura judaico-cristã ser considerado feio uma mulher que se "mostra". Mulher recatada é que é "bonito". De minha parte, acho isto tudo muy relativo.


O fato é que a velhice é um treco estranho. Se estou velha, como é que hoje consigo correr por mais de 50 minutos no verão carioca com mais fôlego que aos 20? Que negócio é este de estar mais velha afinal? Onde é que envelhecemos afinal? Se hoje me apaixono como me apaixonava aos 20, aos 30, aos 40, cadê meus sinais de velhice?


Falo bobagens como sempre. Sou infantil, como sempre.


Afinal, será que ser velha é apenas ter vista cansada, manchinha branca na perna, bigode chinês e código de barras sobre os lábios? Se for isto, puxa, basta um básico photoshop pra resolver todo este papo de velhices guimarães. Que bom que fiz o curso. Que bom que instalei o programa. Estou salva

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