sábado, 30 de maio de 2009

NÃO LEIA A BULA


Ah, as maravilhas da modernidade... Você toma remédio para emagrecer, para engordar, para dormir, desentristecer, acordar, ter ânimo, não pegar gripe, ter tesão, ter memória, não ter rugas. Um remedinho para cada ocasião vendido a preços módicos em qualquer farmácia.

Coisa linda a modernidade... Um dia teremos remédios para desemburrecer, para deixar os neuroninhos mais espertos, remédios para desenfear, desenvelhecer, até um remédio para quem precisa urgente de um pouco de simpatia e nunca tentou nem dar um sorriso. Haverá remédio para tudo.

Só um remédio não foi criado até hoje e desconfio que jamais haja jeito para isto: remédio para não deixar bulas tão sinistras.

Quem lê bula até de vitamina C desiste da vitamina porque não há remedinho destes que não traga um bando de contra-indicações sinistras. Bando de palavra feia: cefaléia, tremor, tontura, agitação, ansiedade, boca seca, tumor no sistema nervoso central, reações anafiláticas, convulsões, hipertensão, taquicardia, substâncias inibidoras do metabolismo do citocromo. Caraca. Substâncias inibidoras do metabolismo do citocromo? Morri só de ler.

Saudades dos tempos que só tomávamos remédios quando estávamos com febre.

Saudades dos chás da vovó. Saudades do biscoitinho creamcracker. Saudades de ficar o dia todo na cama, matar aula, minha mãe me olhar preocupada e colocar um termômetro.

As salvadoras primeiras horas da manhã que determinavam que hoje eu já estava boa e pronta pra próxima. Ir pelo caminho do colégio cantando.

Saudades dos tempos que alguém lia a bula no meu lugar- ou talvez nem lesse. Entregar ao laboratório Roche à nossa vida sem medo que o laboratório Roche pudesse estar colocando substâncias a mais ou a menos que pudessem comprometer o remédio ou nossa vida.

Saudades dos tempos que as coisas funcionavam e não precisavam de PROCON. Bastava que o médico soubesse o que havia no remédio porque confiávamos nos médicos, da mesma forma que confiávamos nos laboratórios. E se nada desse certo, iríamos para o hospital e ninguém era barrado no hospital. Não haviam filas imensas, apenas pequenas filas. E se fosse emergência, em poucos minutos você era atendido sem pagar um tostão.

Quem diria: hoje o passado é utopia.

2 comentários:

Alex Martins disse...

Gostei muito do blog, muito bem feito

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.