sexta-feira, 1 de maio de 2009

É a Vida da Mulher Centopéia




Ontem coloquei aquela sandalinha linda que comprei em São Paulo por uma pequena fortuna- a prazo.

Ela é de couro, com a parte de cima dos pés desenhada em padrões mouriscos. Aparentemente flexível, eu a comprei exatamente por parecer confortável.

Confortável é tudo o que ela não é. Basta um dia com a danada para surgirem horríveis bolhas nos lugares mais impossíveis. Como é linda, sempre a coloco ali, na esperança que usando, o couro vá ceder. Mas nada. Quem cede ao desconforto sou eu. A sandália continua linda. E inútil.

É estranho porque ela é maleável e se só ficar com ela por uns quinze minutos, ela dá aquela ilusão de perfeitinha. Acontece que passada meia hora não é mais nada disso. E se caminhar três quarteirões bolha e vermelhão garantidos sem o dinheiro de volta.

Assim é a vida.

Quantas relações parecem facinhas, e aquela pessoa tão flexível, quando você a conhece mais intimamente: cadê a beleza, a tolerância, a parte que lhe pareceu tão a ver contigo, cadê? Nada, o gato comeu. E só o tempo é que dá esta noção.

Pessoas que amamos e que conosco seguem nos tornando cada vez mais bem dispostos e mais harmônicos, a gente quer mais é passar toda a vida ao lado e haverá sempre no nosso coração um lugar para elas.

Sapatos bons também. Aquele sapato que quase é seu pé, que tem não só a forma como a consistência do seu pé, estes sapatos podem ficar velhos: deles você só se desfará se o perder. Perder não é o mesmo que jogar fora. É que nós nos mudamos muito, muita coisa acontece e rola este “perder”. Coisas perdem-se.

Pessoas perdem-se? De certa maneira, também. Mesmo a pessoa mais querida um dia acontece e este dia é triste: mesmo estas pessoas, as que são adequadas a nós, as relações nutridoras da alma, mesmo estas pessoas fabulosas em nossas vidas, às vezes, perdemo-las.

De todas as coisas que usamos, sapato é sem dúvida a parte da indumentária mais difícil de achar.

Não o sapato errado.

Sapato errado tem aos montes.

Sapato bonito, mas desconfortável. Sapato feio demais para usar, que pode até ser confortável, mas a gente vai se sentir toda feia se usar um sapato tão mocorongo. Sapato bonito, bom de usar, mas caro demais. Ah, há muitos sapatos totalmente errados para nós...

Se juntarmos o sapato errado com o caminho errado, aí temos algo que não tem como dar certo. É o dia perdido. A vida perdida. Se der certo, bem, a vida também tem dessas coisas: fazer o tudo errado dar certo. Mas certo por quanto tempo? Um dia? Dois? Não há como fazer dar certo um sapato errado, um caminho errado e uma escolha equivocada por mais tempo do que o tempo que leva para cairmos em nós mesmos: eis aí o lugar onde jaz uma ilusão.

Milagre é sempre milagre. E custa mais caro.

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