quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Maledetto Il Giorno Che T´ho Incontrato


Camilla, Bibila para os íntimos, era uma mulher muito alegre, mas infinitamente solitária. Tinha um rosto bonito, uma inteligência vivaz, não dependia de ninguém financeiramente, mas era gordinha e extremamente ingênua.

Camilla era descendente de uma família de italianos sanguíneos e contava-se que seu bisavô tinha cinco famílias de cinco mulheres- ninguém sabia quem eram estas mulheres nem quem seriam estes filhos, mas eram dadas como fato estas cinco famílias. Também era fato indiscutível que o fabuloso Senhor Giuseppe, hoje um pacato e redondo avozinho na juventude cometera um assassinato na Itália e que veio para o Brasil fugido.

Camilla era uma moça até bastante esperta, pois com o pouco recurso que tinha, amealhara um patrimônio razoável que a deixava com o tempo totalmente livre. Tempo livre e muito romantismo era a perdição de Bibila, diziam os amigos preocupados com a sanidade mental da moça que no momento encontrava-se envolvida de corpo e alma numa infinita [i]foda retórica[/i] constituída por uma relação com um homem que ninguém conhecia.

Para acompanhar o trajeto daquela neta meio desmiolada, Giuseppe fizera um curso de computadores para idosos e comprara um para uso próprio. Arrependera-se, pois Camilla agora quando ia visitá-lo mal comia e sentava-se na frente da máquina por horas e horas a fio.

Ás vezes vinha de lá com olhos vermelhos e os irmãos e as tias percebiam que a alegre Bibila estivera chorando. A mãe de Camilla estava sempre ocupada com os netos, filhos da irmã e do irmão de Camilla, já casados, separados e recasados. A avó, a docíssima Senhora Paloma falecera no ano retrasado. Giuseppe sentia-se responsável por aquela alminha eternamente desgarrada do corpo de sua neta, que já nem mais mocinha era.

- Estou apaixonada, vovô.
- Que está apaixonada já se vê porque todas as paixões costumam ter como resultado este passamento das almas em relação aos seus corpos. Já fui apaixonado por sua avó, pelo meu país e pelo meu trabalho. Dava no mesmo. Agora, quem é este homem que lhe tira o sossego, menina?
- Não sou mais menina, já tenho 39 anos. Ele é o homem mais fabuloso do mundo, o mais inteligente, o mais gentil e o principal: ele me ama, vovô.

O avô fez silêncio por um tempo. Como era parecida com Paloma esta sua neta. O mesmo ar sonhador, o mesmo sorriso, o mesmo cabelo cacheado e aquela mesma ingenuidade, que muitas vezes era confundida com estupidez. Não era estupidez, embora a própria Paloma dissesse de si que era uma tonta, uma parva, uma pateta.

- Quem é este homem, detentor de tantas qualidades? O que faz ele?
- Não sei ao certo. Ele faz um monte de coisas. Dá consultorias de economia, suporte de computadores e já fez cinema nos anos 80.
- Como ele consegue fazer tantas coisas... Deve ser mesmo um homem formidável. Qual o sobrenome dele?

Ernesto era um homem de cinqüenta e poucos anos, mas parecia sessenta. Barriga proeminente, pele cinzenta, olheiras, lábios carnudos- talvez tenha sido algum dia um homem bonito, mas sua beleza foi soterrada por uma vida obviamente sedentária. Mas não era a aparência física de Ernesto o seu pior defeito.

Ernesto tinha uma visão de si mesmo particular: apesar de ser um pobre diabo, via-se como um homem muito bem sucedido. Apesar de feio, via-se como lindo. E apesar de apenas inteligente, achava-se genial. Acreditava tanto nisso que fazia a todos crerem na lenda que ele criava, aproximando-se de muitas mulheres e seduzindo-as e aos homens, adulando.

Mentia de forma a jamais ser flagrado e mentia muito. Mentia de tal forma que todos a sua volta, até ele próprio, acreditavam nas mentiras que contava. Estudara leis, política e estratégia. Era um hábil sobrevivente das armadilhas de uma selva que ele próprio arranjava para viver.

Casado pela segunda vez, um filho já grande do primeiro casamento e filhos pequenos deste segundo. Traiu suas mulheres, mentia ser solteiro para as amantes e quando flagrado em alguma, mentia a todas saindo sempre ileso: mulheres antes de tudo são mães e protegiam-no, como mães protegem seus filhos, como mulheres fecham os olhos aos erros de seus homens.

Sua desculpa vinha na ponta da língua: esta mulher me persegue, é uma louca, tenho nojo dela. E dava certo, até porque o tipo de mulher que ele abordava era sempre a Patinha Feia, a mulher mais insegura, mais rejeitável. Óbvio que se abordasse um avião, a desculpa não colaria. Mas, abordando as mais velhas ou as mais feias, eis que sempre dava certo.

Dizia-se solteiro e que queria amar, namorar, relações sérias.

Para conseguir driblar as pretendentes, sempre muitas, simplesmente criava uma série de obstáculos para que as relações chegassem a bom termo.

Era dado a estranhas zangas sem razão ou inexplicáveis acessos de uma peculiar paranóia que do mesmo jeito que vinha, sumia na hora que convinha. Sentia-se perseguido ou dava um jeito de se dizer vítima de fofocas terríveis que a pobre mulher da vez houvesse feito.

Não havia fofoca, não havia motivo pra fúria.

O que de fato havia era uma esposa e, por ser já casado, não poder casar com duas. Ou três. Ou quatro.

Ernesto era voraz. Se pudesse, casaria com todas para poder trair a todas.

Com Bibila não foi diferente. Ele a enlouquecia e sabia manejar muito bem todos os humores da moça. Como de costume, não avisou que era casado.

Camilla, muito naturalmente, ligava, mandava torpedos, procurava. E um dia, a esposa de Ernesto flagrou um destes torpedos e principiou uma verdadeira investigação sobre quem era esta mulher.

Camilla Brachetti um dia foi encontrada assassinada a tiros. Ninguém sabe quem foi. Ernesto continua por aí e o seu casamento vai bem, como sempre.

Nenhum comentário: