domingo, 9 de março de 2008

Pessoas de Moral Ilibada


Ilibada: sinônimo de não manchada, pura, não tocada, incorrupta. Todos estes adjetivos não combinam com saia mostrando as pernas, pílula anticoncepcional para se fazer sexo sem ter risco de engravidar contrariando a mamãe natureza e a dona Igreja, orgasmo para todos, homens e mulheres.


Quem trepa, se toca. Mancha-se.


Quem usa minissaia induz ao desejo, projeta-se para o sexo. E quem goza, ora quem goza sabe que o prazer sempre tem algo de inclemente, absoluto, voraz que não se ajusta às leis, aos bons costumes, à civilização, sempre tão limpa, anticéptica, insípida, entre os frufrus das rendas das senhoras vitorianas e os modernos automóveis brilhantes.

Nem minha avó era assim e ela era a pessoa mais cândida que conheci sobre a face da terra.


Dócil feito um carneirinho, boa feito só as avós podem ser tão boas, jamais usou minissaia e passou toda sua vida dedicada ao trabalho e aos seus seis filhos, netos e bisnetos na cidade grande.


Minha avó foi tocada pelo meu avô, foi tocada pelo desejo. Quando meu avô morreu e a deixou tão jovem ela seguiu a vida, ocupada demais para arrumar outro homem, mas mesmo assim, sempre sonhadora de outro romance que em vida jamais conheceu. Só em novelas. Vovó era uma grande fã de novelas, não perdia nenhuma, mas o fato é que de pura nada teve. Incorrupta? Talvez.


Será que alguma mulher que conheceu o desejo e o orgasmo consegue realmente ser incorrupta?


Não será o prazer justamente nosso primeiro corruptor, já que é contra o prazer que se fazem as regras de bom comportamento? Não sei, mas me pergunto. Quem nunca errou nunca experimentou nada de novo, já nos disse Einstein. Quando pensamento foge dos trilhos é que começamos a errar, a duvidar, a nos corromper.

Os incorruptos seguem por caminhos mil vezes traçados por isso mesmo são incorruptos: eles seguem às normas e as cumprem à risca. É preciso jamais ter vivido com intensidade, jamais ter arriscado o novo, jamais ter arredado um centímetro da estrada para se levar o título de ilibado.

Se você vive com intensidade, se sua cabeça é que o norteia, se você decide o que é que lhe faz feliz e age apenas conforme seu próprio limite acredite você já é uma pessoa manchada, fora do trilho. Usou minissaia, camisinha, pílula? Esqueça este título. Você enganou a mãe natureza, aos padres e os padres é quem fundaram toda a ética que, mesmo caduca, é o que delimita se alguém pode ser chamado ou não de ilibado.

Eu trepo, não tenho relações sexuais porque ter relações sexuais me parece o sexo que se faz sem sujar lençol e jamais transpirar, então eu trepo porque suo e mancho lençóis aos montes.

Eu arrisco porque faço até o que não sei.

Eu minto porque justamente nem sempre sei o que é o certo e, no entanto não quero abrir mão das coisas que sei que não devo jamais abrir mão.

Não sou uma pessoa de moral ilibada.
Entretanto sou capaz de amar. Posso dar minha vida pela felicidade do próximo sem esperar retorno. Sou então uma pessoa de bom coração, dirão alguns.
Dado que saber amar não é amar e amar é não saber e tudo o que se refere aos sentimentos é incerto, poderei pensar a meu respeito que simplesmente sou gente e tenho de aprender a ser mais humilde com tudo o que desconheço e mais tolerante com todos os que não vejam à vida como eu vejo. E certamente ter a mais clara noção de que definitivamente não posso me considerar alguém de moral ilibada.

Fui manchada pela vida, tocada pelo amor e pelo milagre.



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