quarta-feira, 5 de março de 2008

Paixão ou o Fogo da Bacurinha


Como é que a gente explica para um homem que mesmo que a gente chore baldes de lágrimas ainda há dentro de nós um oceano inteiro de outras lágrimas possíveis e que estas, tais como as risadas são infinitas como as vontades? Faz até bem chorar, melhor do que comer chocolates ou ver Big Brother na tv.

Como é que a gente traduz para um bom Português que meia hora depois de chorar cântaros, a gente canta, fala bobagem, liga para as amigas e a vida segue? A gente pode chorar mais do que em enterro, mas nem por isso nada nem ninguém morreram. Quando muito, morrem esperanças que daqui a pouco estarão vivas novamente por um outro cara, por um outro assunto ou simplesmente porque o dia amanheceu de um outro jeito – obviamente se a gente não morrer antes disso por puro acidente.

Uma outra coisa que acho interessante descobrir é como é que a gente faz para que um cara perceba que é metáfora quando a gente diz “não vivo sem você”. Ora, a gente vive sim. Viveu antes, viverá depois. Salvo impedimentos de outra natureza, nós sempre sobreviveremos à morte do amor. Aliás, quem morre é a paixão, pois o amor nunca morre. Amores reais não são na base do ama/desama. Amor não acaba porque amor é um sentimento infinito e, se tem fim é porque a palavra está errada, salve Nelson Rodrigues.

Por que tanto espanto e consternação com um “estou apaixonada”? “Estou apaixonada” não quer dizer quero casar contigo. “Estou apaixonada” não quer dizer que acho que você esteja igualmente apaixonado. Quando há dois apaixonados, ninguém precisa pronunciar a palavra porque ela está ali, voando como borboleta. Relaxem, pois “Estou apaixonada” definitivamente não quer dizer que pretendo largar meu caminho para seguir o seu, ou que daqui para frente serei sua carcereira.

A paixão vale definir melhor, é um nada que acontece quando os hormônios fazem carnaval na cabeça. Também poderíamos chamar a paixão de alucinação temporária por um ser que tanto faz se existe ou se é invenção da cabeça. Aliás, nove entre dez paixões são, de fato, alucinações. É o cara que você seria se você fosse um cara e vivesse fora de você. Você imagina as melhores qualidades num sujeito que tanto pode até ter alguma qualidade como nenhuma.

A paixão desacontece quando a órbita do nosso objeto do desejo é finalmente entendida. A paixão nunca resiste ao entendimento. Razão e paixão andam para lados opostos. A paixão é uma chatice. Mas dá um tesão danado. A chatice vai embora? Resta aquele marasmo do corpo apenas corpo, corpo que nada é – salvo um corpo no meio de zilhões de outros corpos, piores e melhores. De outras inteligências, melhores ou piores. Paixão? Ruim com ela, pior sem.

Alguém por favor, bote um grande letreiro em néon explicando que berimbau não é gaita, que por mais que as palavras sejam falhas elas explicam melhor às coisas do que os silêncios. Contratem teco-tecos para levar de um lado ao outro da praia um dizer em letras de fogo bem assim:

"A ausência jamais foi de nenhuma serventia para fazer nascer à compreensão entre pessoas. Esteja presente quando causar dor esteja presente quando magoar e ame exatamente quando é mais difícil amar. Quando é fácil, ninguém precisa de amor".

Depois que o teco-teco rodar São Conrado, Leblon, Ipanema, Copacabana, Botafogo, Flamengo você volta aqui ao blog para terminar de ler o texto.


Pois a pergunta que não quer calar é: por que há homens que odeiam quando uma mulher fala sobre seus sentimentos? Por que designam com tanta presteza à mulher que publicamente fala de si e de suas carências como a mal-amada? Ser mal-amada é palavrão?

Pois se a grande maioria das mulheres é de fato mal amada, a fantasiar homens carinhosos para chamar de seu que jamais acontecem. A mulher costuma só ser bem amada por um breve tempo: o tempo da paixão. Homens que são homens não costumam ser carinhosos, nem tampouco pacientes.

A paciência é coisa de mulher, bicho feito para esperar nove meses. Carinho também é coisa de mulher: animal estruturado para dar tudo que o mundo irá negar ao seu rebento.

Sim, há as que não são nenhum pouco assim. Que delas se ocupem os homens que adoram mulheres que em nada dependem deles e que nenhum pouco se ressentem de sua ausência.

Aqui eu penso mulheres que nunca têm tempo para fazer tudo o que mulheres precisam fazer e que sempre ganham muito menos do que merecem. Nós, as carentes. De um tudo. E cheias de fogo, elemento que a tudo transforma.


Paixão, em mulher, é o fogo da bacurinha transcedental que transforma a Amélia conformada numa Messalina ardente, que esconde na bolsa o perfume e a meia de seda para um happy-hour com o sonho.

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