segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

doentes

talvez o glúten de hoje em dia não seja mais o glúten que reunia em torno da mesa as famílias, nem aquele que Jesus dizia ser a sua carne. O glúten hoje é um transgênico, deve dar zebra, deve dar câncer, mas o quê não dá câncer?

Me parece estranho que um alimento possa ser responsabilizado por tantos males que na real deveriam ser atribuídos a coisas muito mais fáceis de se perceber como por exemplo andarmos de automóvel o tempo todo, não gastarmos as calorias que consumimos, comermos mais do que precisamos, vivermos em pequenas caixas, em multidões cada vez maiores mas sermos paradoxalmente cada vez mais solitários, respirarmos monóxido de carbono, vivermos entre coisas cada vez mais só feitas para serem úteis em vez de belas e as coisas belas cada vez mais inacessíveis.

O que dá câncer talvez um dia descubramos não é o glúten, nem os laticínios, nem a carne, ou talvez a influência deles seja vastamente menor que sermos passivos, alienados, isolados, incapazes de nos entregarmos à uma luta, desejando frutos sem os termos plantado, nos sentirmos invejosos de vidas que se víssemos de perto perceberíamos tão sem significado quanto a nossa e, principalmente,sermos cada vez mais incapazes de amar, de cuidar, de sermos solidários.
Em resumo: o que talvez nos provoque câncer seja uma imensa, colossal, estupenda e sem sentido algum, preguiça. Muita preguiça. Porque amar dá trabalho, ser bem sucedido dá trabalho. Fazer as coisas bem feitas, dá trabalho. Ganhar consciência de si mesmo dá trabalho. Dá trabalho viajar, dá trabalho arrumar a mala, a casa, dá trabalho sair da zona de conforto. Dá trabalho conservar amizades. Dá trabalho telefonar para os amigos que nunca achamos que nos telefonam o suficiente. Dá trabalho trabalhar.

Somos escravos de nossas ânsias, de nossas vontades cada vez mais urgentes e de nossos medos, tão indefinidos, mas tão insidiosos. Reclamamos do barulho dos vizinhos e já nem ouvimos mais o intenso barulho do tráfego. Ou, se não há barulho de tráfego, de nossa mente compulsiva e confusa. Colocamos nos nossos inimigos sinais desumanizantes quando em verdade até mesmo o demônio foi um dia o mensageiro dos deuses. Vemos ao horror como cor de rosa e ao cor de rosa como horror.

A pergunta é: como não adoecer se somos todos doentes?

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