terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Faixa de Gaze


Quando o amor acaba, é como se Deus me houvesse abandonado. Sinto-me tão irreal que tanto poderia matar quanto me matar. Se não sou real, nada tem conseqüência, nada tem substância, portanto, ninguém se fere, eu pulo do alto da ponte e simplesmente o chão não chega. O tempo não passa, o tempo pára no momento de espalhar todas as pedras que um dia construíram meu ser. Não sou um edifício. Sou um ninho. As pedras? Não são mais pedras. São galhos, são folhas. Não existe mais mágoa. Existem quando muito penas, que se fazem asas, que se faz um pássaro que cai de um céu que se estilhaça quando o sol nasce. Uma voz canta na distância, uma imensa distância que se faz entre aquilo que aqui digito e aquilo que foge de mim e mal tenho como avistar.

São felizes os que amam ou justamente estes são os mais desgraçados sobre o planeta? Os cínicos nunca se apegam, são cínicos. Riem das desgraças alheias, desrespeitam a si mesmos e a todos porque em nada acreditam. Por que agem assim, por que não acreditam na própria dor? Porque não a sentem. Morre-lhes o filho único e eles irão para o bar beber. No máximo um porre atesta a morte. Foge-lhes a mulher com o vendedor de biscoitos? Ora, há malas que vão para Belém. O amigo que se vai? Nunca esteve não faz diferença.

O cínico é um canalha. O cínico é um monge zen. O que sei eu dos canalhas, dos monges ou do zen?

Em algum lugar, agora neste instante, uma velha senhora assiste a morte de seu filho único. O pavor nos olhos do filho. Nenhuma canção jamais embalará estes dias que lhe sobreviverão. Esta senhora manterá os olhos arregalados e sua dor é tanta que não cabe em suas lágrimas. É dela que ouço o gemido e aqui deixo o traço. Há dores que preferimos jamais parar de sentir. Se pararmos, será como se aquele que amamos tanto e que não mais existe jamais houvesse.

Ela sou eu, a Faixa de Gaza está em todo lugar. Será que os passarinhos cantam por lá? Aqui sim. Lá não há quase passarinhos, pois é um deserto. Será que vale a pena lutar por um deserto? Deserto povoado de crenças sobre um Deus que a todos abandona. O Deus dos desertos, muito diferente do Deus das cachoeiras. Nosso Deus, Tupã. Talvez aqui, o amor seja mais do que pó. Ou seja pó, mas um pó apaixonado. Cubro minha nudez com gaze. Uma só faixa. Será que valho à pena? Eu sou o pássaro e seu vôo.

2 comentários:

D. Strudel disse...

tão bom ler o que vc escreve minha flor.
beijinhos

Isa disse...

Eles passarão e eu passarinho... pra voar, pra viver, pra ser feliz.

te amo Cyn, beijos.