Não gosto de ler sobre os filmes que vou ver antes de vê-los porque prefiro sentir o impacto dos filmes e não estar contaminada pelas críticas e fofocas sobre os ditos cujos a priori. Nos zilhares de blogues cinéfilos que circulam por aí afora hoje em dia, qualquer um pode tecer um filme para si a partir do filme descrito pelos blogueiros, antenadíssimos com toda a produção cinematográfica atual. Na minha opinião, a surpresa e tudo o mais que se relaciona ao ver algo novo se perde para quem lê estes blogues e afins. Então, a única coisa que levo ao cinema é M&Ms.
No instante que assisto, gosto ou não gosto. Se gosto, vou pesquisar sobre- depois de assistir. Se gosto, se o filme me mobiliza, vou repassando cena a cena do filme que vi e tecendo criticamente o filme. Se não gosto, o filme se perde no emaranhado de filmes ruins que já vi na vida, ou seja, simplesmente, esqueço tudo. Foi neste estado de ânimo que fui ver ontem Ninfomaníaca. Sim, eu gostei de Ninfomaníaca, mas.... Vai rolar um “mas” de muitas considerações.
Lars Von Triers já destruiu o planeta sem salvar nem crianças nem proletários em seu belíssimo Melancholia, já tratou bem mal a Nicole Kidman no seu excelente Dog Ville (a atriz nunca mais quis fazer filmes com ele), teceu um arquétipo do feminino sinistro em Anticristo e agora está aí com seu Ninfomaníaca parte I. Posso dizer, sem muito medo de errar, que Lars Von Triers já deixou provado ao mundo que ele não tem a humanidade em alta conta e que é capaz de fazer um trabalho que satisfaz um certo tipo de público. Volto a isto já.
Em Ninfomaníaca, ele queria fazer um filme gigantesco, com sei lá quantas horas e acabou brigando com a produção que não aceitava um filme tão grande- provavelmente pelo argumento óbvio de que não há como você ter o retorno financeiro num filme que dure tantas horas porque qualquer mortal que souber que um filme dura seis horas não irá assistir tal filme, salvo situações muito especiais. Provavelmente a produção não viu razão alguma para justificar que um filme sobre as neuroses de uma mulher durasse tantas horas e custasse tão caro. Com a insistência de Lars a fazer um filme com tantas horas, o diretor acabou perdendo a possibilidade de edição e cortes no seu filme. O filme que assistimos sob o nome Ninfomaníaca parte I é Lars Von Triers- numas. “Numas” porque uma das condições para um filme ser de um diretor x é justamente que ele possa fazer os cortes e as edições de seu trabalho, coisa que acabou não acontecendo neste filme que recebeu uma edição dos produtores e não do diretor.
Gostei de Ninfomaníaca sim. Lars é muito bom na escolha das músicas para seus filmes, em sua produção fílmica as fotografias são sempre lindas e a primeira cena da neve caindo em Ninfomaníaca é belíssima, não precisa de efeito 3D para deixar a neve realmente tridimensional para o público. Os atores estão muito bem e o filme tem um quê de suspense que enregela a alma.
Como nas suas demais produções, ele capricha para dizer que tudo na humanidade é pulsão de morte e neurose e o personagem principal está sem dúvida, buscando a forma mais dolorosa de morrer cheia de culpa sobre seu desejo. Minha impressão sobre Lars Von Triers é a de que ele jamais fará um filme sobre alguém heroico, ou alegre porque para ele a humanidade é um amontoado de gente ruim ou vazia sem escapatória.
Não posso deixar de fazer um paralelo entre este Ninfomaníaca e o Bonitinha Mas Ordinária de Nelson Rodrigues. A forma de entender a sexualidade e as famílias de Nelson Rodrigues era bastante corrosiva, não por acaso, ele foi um autor que deixou os burgueses da época indignadíssimos. Mas por outro lado, há uma leveza no personagem da Bonitinha que faz a gente sorrir muitas vezes ao longo do romance. A sexualidade não é uma coisa vista como vazia ou sinistra. Não pensamos em pulsão de morte em Bonitinha Mas Ordinária. Nelson não odeia à humanidade. Nunca odiou. Ele tem carinho pela humanidade, seria algo do tipo “tem gente ruim sim, mas há figuras boas, há quem seja bacana e gostar de sexo nem sempre resulta em desastre”. A biografia de Nelson explica isto. Ele foi capaz de amar. E se desesperar com a prisão do filho. Há gestos heroicos espalhados pela obra de Nelson, exatamente pela condescendência que ele tem para conosco, bípedes sem plumas. Não é o caso de Lars.
Um jovem feito o meu filho provavelmente não iria ao cinema ver Ninfomaníaca, exceto se a partir do título esperasse cenas de sexo. Que por sinal, não rolam. São poucas e pouco memoráveis as cenas de sexo neste Ninfomaníaca I. Ou são em bem menor quantidade e impacto de que em O Azul é a Cor Mais Quente ou Um Estranho no Lago. Minha mãe muito menos consigo imaginar entrando no São Luís para ver este filme.
A maioria dos mortais, vai ao cinema para se divertir. A preferência do grande público são as comédias românticas, aventuras heroicas, suspenses e dramas com finais felizes. Digamos que só irão ver este filme denso, esquisito, os cinéfilos, os psicanalistas, os filósofos (e livre pensadores), os que querem brilhar socialmente por falar sobre filmes considerados cabeça e os iludidos com o título do filme.
É isto. Um “mas” imenso.
sábado, 18 de janeiro de 2014
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