segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A Carta da Avó


Querido Jadeir,

Quando você me contou que ia na manifestação, gostei muito. Você começou a falar sobre política, se interessar por alguma coisa. Até o presente momento só os games lhe interessavam e isto me preocupava muitíssimo. Cheguei a comentar com sua mãe que estava lhe achando mais alegre e que mesmo que não concordássemos com tudo o que você dizia, achava bom que você tivesse passado a gostar de política.
Aí comecei a encontrar coisas estranhas aqui em casa. Pra quê tanto querosene? Pra quê tanto óleo? Pra quê tanta roupa preta? Pra quê tanta bolinha de gude e estilingue? Meu querido, você por acaso entrou pro tal do Black Block? Seja sincero com sua avó e me conte: é isto? Tenho certeza que deve de ser porque outro dia você estava rosnando que vivemos numa Ditadura Militar porque a polícia bate nos manifestantes que só expressam suas críticas ao governo e estava com um monte de roxos pelo corpo.

Meu querido, olhe só, vamos pensar juntos.

Você tem vinte anos, por sinal, seu aniversário é amanhã, parabéns meu querido. Você acha que os transportes estão ruins? Estão mesmo. Mas já foram muito pior. Até bem pouco tempo atrás, o Brasil era um país subdesenvolvido, ali, junto com os outros países mais pobres do mundo. Tudo o que você acha ruim, já foi muito pior. Muito mesmo.

Eu já passei fome. Junto ao seu avô, que Deus o tenha. Até outro dia, nós éramos uma ditadura de verdade e se fosse naquele tempo, você e todos os seus amigos já teriam sido todos presos e torturados. Tanto você, que é pobre e morador de subúrbio quanto seus novos amigos de zona sul. Não teria sobrado ninguém, nem os amigos ricos com seus protetores ricos teriam sobrado, mas certamente você que não teria bons advogados e bons pistolões como eles teria sido o primeiro a cair. Eu já vi isto tudo antes e não se trata de ditadura ou não e sim a lógica simples da corda que sempre arrebenta pro lado mais fraco.

Nossa democracia é pouco mais velha que você.

Nossa condição econômica veio mudando há relativamente poucos anos. Não há como aprontar melhores escolas, hospitais e transportes do dia para a noite. Vocês estão certos de protestar porque realmente, se não houvesse tanta roubalheira nossas escolas, hospitais e transportes já estariam melhores hoje. Mas vocês estão errados em achar que as coisas boas deste mundo se constroem do dia para a noite. Então, é certo exigir do governo que não roube e que cumpra sua parte. Mas é errado botar fogo nas coisas e depois conversamos sobre esta parte.

Mesmo que vocês conseguissem estocar todas as pedras do mundo, todos os coquetéis molotov, nem assim conseguiriam que as coisas consertassem da noite para o dia. Você lembra quanto tempo levamos para fazer nosso puxadinho? Conseguir nossa mobília? Leva tempo meu querido, leva tempo. As melhores coisas da vida são feitas com amor e com o tempo. Sem paciência a comida sai sem gosto.

Agora vamos falar sobre democracia.

O que você acha que sua avó faria se você um dia viesse aqui em casa com seus amigos e pusesse fogo na nossa lixeira?

Eu, que sou sua avó, que te amo, iria ficar furiosa e era capaz de eu ir no vizinho e pedir aquele vira lata tinhoso filho de pastor alemão pra botar vocês pra correr se vocês não me obedecessem.

Agora vamos pensar na hipótese de eu ser uma avó muito ruim, que tivesse espancado você quando era pequeno, que tivesse feito coisas más. Se você pusesse fogo na lata de lixo de uma avó má, nem assim a razão estaria contigo.

Um erro jamais justifica o outro.

Se eu fosse uma avó malvada, o certo seria que você buscasse meios de eu ser punida através da lei. E se a lei não funcionasse, que você então tentasse mudar as leis. Muitas leis mudaram e foram aperfeiçoadas porque alguém muito injustiçado e capaz foi lá e lutou por isto. Mas não simplesmente botar fogo na minha lixeira. Isto retira de ti a tua razão. Te faz tão malvado quantos os malvados que você combate.
Meu querido, eu quero que você viva sua vida, amadureça. O ódio não cria. O ódio destrói. O ódio é reação, não ação. Quem acredita que através da força física irá conseguir alguma coisa rapidamente descobrirá que há sempre alguém mais forte. Se os Black Block se armarem, se aumentarem sua força bélica e melhorarem suas estratégias, a polícia e o exército, que são especialistas em guerras, se armarão mais ainda e terão estratégias ainda mais brutais. A saída não é o uso da força física. Até porque tem muita gente torcendo para que o Brasil entre numa sanguinolenta guerra civil para que se possam vender mais armamentos, tanto para o governo quanto para as facções contra o governo.

A indústria bélica não é chefiada por gente consciente e boa de coração. Não mesmo. É gente ruim. Muito pior que estes que vocês hoje combatem.

Meu querido, eu não sei, realmente, qual é a saída, mas já vivi tempo suficiente para saber um monte de histórias. Ficar velho é isto: é ser um colecionador de histórias. Talvez isto seja pouco para se esperar da vida. Mas a vida é assim, pequena, delicada e nunca ninguém, jamais, deveria perde-la em vão.

Com amor e respeito,
Sua avó.

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