terça-feira, 3 de março de 2009

Por Que Falamos Mal do Outro


Fulana é loura, linda e burra.

Falo mal dela porque é burra.

Mentira deslavada ou lavadinha, não importa. Fato é que falo mal dela porque é loura e linda. Ela pode até ser burra, mas ser burro não é o pior dos defeitos que alguém possa ter. Eu sei disso, todo mundo sabe disso, mas na hora de maldizer, vale a burrice porque quem relativiza os defeitos do outro acaba perdoando tudo e todos.

Quem pode ser mais chato do que aquele que não tem nenhum desafeto pra chamar de seu? Quem pode ser mais insuportável do que aquele que não fala mal de ninguém e só tece loas em homenagem a todo mundo? Socialmente, falar mal dos outros é virtude porque a maioria fala muito mal de todo mundo.

Ao se relativizar situações e pontos de vista, chega-se a conclusão de que a maioria das coisas que se fazem usualmente é perdoável. Quem tem uma visão mais larga de si e do mundo percebe claramente que poucas são as coisas feitas com o único intuito de ferir, poucas são portanto as coisas imperdoáveis.

Imperdoável. O que é imperdoável num mundo onde todo dia se caminha por ruas onde há meninos abandonados, gente cuja única posse muitas vezes é seu próprio corpo, vivendo abaixo de qualquer condição que o identifique como humano e não um bicho?

Se fôssemos realmente não perdoar alguma coisa, deveríamos antes de mais nada não perdoar qualquer sociedade ou sistema que permita uns com tanto e outros sem absolutamente nada.

Mas nós perdoamos. Chegamos a nos acostumar com o desumano. Passamos por gente maltrapilha, fedida, dormindo nas ruas, comendo com as mãos o prato de comida que lhes caem no colo- todo santo dia.

Beltrano é um babaca. Beltrano é de fato um babaca? Não é ou até às vezes é mesmo, mas o principal defeito de Beltrano muitas vezes foi tocar num ponto de nossas vidas sensível, consciente ou inconsciente deste ato. Ou ainda mais simples: Beltrano não gosta de nós.

Ora, não existe tal coisa como a unanimidade. Mas por outro lado, quem é que não gostaria de ser amado por todos, judeus e palestinos, gregos e troianos, comunistas e capitalistas, flamenguistas e vascaínos?

Em geral, somos movidos a carências.

Carência sexual, carência material, carência afetiva, carência intelectual, carências. Em nossos melhores momentos, somos movidos por ideais e deixamos de lado o nosso mundinho para abraçarmos causas maiores que a largura de nosso umbigo. Mesmo assim, quem já não entrou para um determinado movimento político ou religioso para paquerar alguém que achou bonito? Eu já, desde logo admito.

Raramente nos importamos com os outros, considerando a própria alteridade do outro. Estamos imersos, quase que permanentemente, em nossa própria incompletude, tentando, por todos os meios, dar vazão às nossas ansiedades. Temos raiva, sem razão alguma que justifique, daquele que externou opinião diferente da nossa ou simplesmente demonstrou ter algo que nós não temos.

Ninguém falaria mal de ninguém se todos estivessem satisfeitos consigo mesmo e com o mundo. Como o mundo é cruel e em geral vivemos ansiosos e entediados, eis então que rapidinho assumimos que Sicraninha é uma grande filha de puta. E eis que Sicrania é uma pessoa generosíssima em verdade. Mas eis que hoje, tal como me sinto, fulana é uma grandecíssima cretina porque só ela, a idéia do que ela representa no mundo, dará vazão ao meu desconforto existencial.

2 comentários:

Grupo da 6a.feira disse...

A M E I essa sua exposição!!!!!

Somos vítimas de nós mesmos. Não quero dizer com isso que, portanto, temos e estamos numa condição confortável e favorável. A da vítima. Nããããããõ.

Pelo contrário, nos despir de nossas angústias para cobrir o outro com elas, e correr pra mostrar pra todo mundo o buraco no outro, é o que mais fazemos na vida porque ninguém quer esse "fardo", essa "deficiência", pelo menos a maioria. E olha que desde que o mundo é mundo, a humanidade faz isso.

Partes de um todo e um mesmo.
De um, a animosidade que parece nascer da similaridade. Não gostar de alguém ou ter tido uma deceção, não importa o motivo, porfavor, não julguemos, o fato é que não existe quem não fale mal do(s) outro(s). O interessante, seria procurar saber porque se está falando isso ou aquilo de x e/ou y. Talvez seja justamente aquela angústia da qual nos despimos e, furtivamente, jogamos pra cima do outro.

A outra se refere a um parágrafo belíssimo que vc escreveu e, que me permito colar aqui:

"Raramente nos importamos com os outros, considerando a própria alteridade do outro. Estamos imersos, quase que permanentemente, em nossa própria incompletude, tentando, por todos os meios, dar vazão às nossas ansiedades. Temos raiva, sem razão alguma que justifique, daquele que externou opinião diferente da nossa ou simplesmente demonstrou ter algo que nós não temos."

Não gostamos de ver nem em nós nem nos outros essa incompletude. Incomoda, provavelmente porque olhar no outro algo que temos dificuldade em aceitar em nós mesmos, é aviltante, indecoroso, e, sobretudo, esfarelar nosso último grão de esperança na existência do super-homem, do homem-aranha.

Porque é tão difícil nos aceitar "apenas" humanos?

bjs
ap

Dani disse...

Cyn!
Vc é otima! :)
Adorei esse texto!