como eu odiava a Glaura Maria. A Glaura Maria era a outra afilhada da minha madrinha. Nunca conheci a Glaura Maria pessoalmente. Só via uma foto e a madrinha citando a bendita Glaura Maria toda hora. Meu coraçãozinho infantil odiava profundamente à esta menina de quem eu nada sabia salvo as coisas que a Madrinha falava sobre ela. Eu odiava tanto à criatura que às vezes quando brincava de boneca havia aquela boneca que a outra boneca tratava muito mal e torturava que era a Glaura Maria. Puxava os cabelos, enfiava na água e afogava. Mil torturas de bonecas que eu não poupava na boneca da Glaura Maria.
O próprio som do G com o L e o A me dava gasturas. Tanto que quando na escola tive um coleguinha chamado Glaucon eu não gostava dele por extensão. Era o Gla da Glaura Maria atacando onde não era chamado.
E Glaura Maria jamais foi Glaura. Foi sempre esta coisa que leva horas de nome composto. Glaura Maria. Hoje em dia eu teria compaixão de uma pessoa com nome tão esquisito, mas na época ela era a personificação do meu horror.
Curioso porque na vida real eu encontrava crianças que não gostavam de mim mas a quem eu não nutria sentimento particular algum. No primeiro dia de aula, uma garota chamada Cassandra olhou pra mim e me acertou uma pedrada na testa que me levou imediatamente pro hospital e daí pra casa a quem eu temia, mas não odiava. Eu era gordinha e as outras crianças faziam chacota comigo e eu não as odiava. O mais perto de ódio que tive foi por uma professora de matemática, a Dinah, que me dava notas baixas, mas era mais uma raiva grande do que ódio. Ódio era todo pela Glaura Maria.
Muitos e muitos anos depois quando fui ler livros de Sociologia na minha 1a faculdade que estudavam estes fenômenos sociais de ódio ao diferente eu podia sempre internamente referendar estes ódios com meu ódio à Glaura Maria. A quem eu jamais conheci e que nunca me fez nada de mal mas que me provocavam sensações fortes negativas.
Hoje penso que se algum dia a menina Glaura Maria tivesse se apresentado a mim pessoalmente talvez eu acabasse gostando dela. Ou não. Mas provavelmente não a odiaria. Tenho pra mim que certos ódios muitas vezes se dirigem exatamente às pessoas estranhas, desconhecidas por serem estranhas e desconhecidas. São raivas infantis que tomam dimensão tão mais distantes sermos de certas pessoas.
Então dou meu brinde à Glaura Maria que me ensinou como são pouquíssimo racionais todos os ódios.
domingo, 19 de junho de 2016
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