Sábado estava atrasada. Detesto chegar atrasada, seja no trabalho ou no lazer. Lembro de ter pago o taxi e sair correndo rumo ao meu ponto de encontro. Lembro das coisas que conversei, mas não lembro das coisas que fiz. Tomei um café e comi uma pequena torta. Na hora de pagar percebi que havia perdido minha carteira com todos os cartões e mais um dinheiro. Procurei em todos os lugares. Nada de cartão. Bateu uma adrenalina. Medo, pânico. Fantasias de falência, cataclisma a estibordo.
Quando cheguei em casa, liguei para todos os bancos imediatamente, bloqueei todos os cartões. No domingo, cada vez que passava por um caixa eletrônico meu olho ficava comprido e eu nostálgica. Tinha dinheiro, mas o dinheiro estava no banco, inacessível, tão longe, tão distante, que simplesmente o fato era que eu não tinha um centavo. Lembrei da minha juventude onde este estado de não ter dinheiro era permanente. Como é terrível não ter dinheiro, não poder comprar um chiclete, nada.
Para piorar, era exatamente no fim do mês, todas as contas venceriam nesta semana. Como é que eu iria pagar minhas contas sem cartão? Até o cartão com os números estava na carteira. Não ia dar para pagar nada. Vi meu nome sujo na praça, pessoas mostrando dentes para mim, eu chorando e dizendo “sou inocente, eu quero pagar só não sei como.
Aí para completar, meu filho ficou me falando de várias coisas que ele havia me dito naquela tarde e eu não lembrava de bulhufas. Todo um período em que eu simplesmente pulei, zero de consciência, lapso. Lembrei que na semana anterior havia esquecido meu celular numa banca de jornal. Pensei em todos os diagnósticos deste tipo de lapso da memória. Dois episódios. Horror: devo estar doente, pensei. Frio na barriga. Uma da manhã mandei recado no whatsapp para duas amigas. Será que estou com o Alzheimer?
Comecei a fazer reflexões mais abstratas para me tirar do pânico. Faz algo em torno de dez anos que os cartões de débito e crédito passaram a ser usados amplamente no país. E já não podemos mais viver sem eles. Tão práticos. Melhor só se bastasse a biometria. Fiquei pensando que se fosse só biometria ninguém mais perderia cartões, ninguém mais roubaria cartões. Irritação por viver no tempo que se precisa dos cartões. Queria estar no futuro.
Domingo estas duas amigas me acudiram, me levaram para ver Lucy, me deram amor, carinho e lanchinho. Ambas me falaram de situações em que elas tiveram lapsos feito eu. Sosseguei finalmente.
A semana começaria aborrecidíssima mesmo assim. Segunda feira amanheci no banco, fui falar com minha gerente, ela nada poderia fazer, me orientou para ir nos serviços de atendimento e no caixa para pegar dinheiro e pagar as contas. Obedeci, fazer o quê. Horas e horas na fila esperando para ser atendida. Levei o livro do Cortázar para ficar um pouco surreal meio à realidade inóspita. O que mais me faz falta hoje em dia é tempo e eu ali, horas e horas numa fila chata de banco.
A gente se acostuma com tudo. Pelo menos não tive de ir numa delegacia porque minha carteira de identidade não estava junto dos cartões. Ponto para mim por ter um tiquinho de juízo. A semana foi passando veloz.
Um certo mau humor permanente porque detesto perder dinheiro. Costumo ganhar, gastar, perder nunca. Mas tudo ok. A semana seguiu.
Hoje, quinta feira, fui correr, fazer aula e quando voltei haviam muitas ligações registradas no celular. Liguei para os números, era uma agência do meu banco. Ainda sem saber quem havia ligado, imaginando que poderia ser um paciente que trabalha no banco, deixei recado.
Daqui a pouco, liga um funcionário desta agência, um rapaz, voz de jovem mesmo. “A senhora perdeu sua carteira?”, respondi que sim. Ele então me disse “sua carteira foi encontrada está com a moça da banca de jornal”. Falei “que sorte”. Ele: “a senhora não imagina quanto, pois não apenas sua carteira com os cartões foi devolvida como tem dinheiro dentro, muita sorte mesmo”.
Rumei para o banco imediatamente. O jovem que me atendeu muito simpático, me levou até a banca de jornal onde estava esta senhora. Ela me contou que um homem viu a carteira no chão, levou para sua banca. Ela por sua vez, percebeu que havia cartões do meu banco, conhecia este rapaz que trabalhava nele, foi a ele avisar do acontecido. Ele por sua vez checou no sistema, descobriu meu telefone e pronto, lá eu tinha minha carteira com 200 reais e todos os meus cartões do jeito como os perdi.
Foram três pessoas honestas. O homem anônimo que encontrou a carteira no chão. A senhora da banca de jornal. O moço do banco. Qualquer um deles poderia ter levado um troco, poderia ter mentido que já havia encontrado assim. Mas não. Agiram com toda a honestidade.
Acho que faltam notícias como esta no jornal. Devem existir várias pessoas honestas por aí afora. Pessoas que fazem o bem, não importa a quem, pessoas de bom coração.
Somos diariamente bombardeados por um monte de más notícias. Por que não existem repórteres fuçando as boas notícias? A quem interessa o medo, a desconfiança, o ódio?
O que sei é que passar por algo assim como o que passei hoje me encheu de alegria. E esperança. Sim, há boas pessoas no mundo. Estou entre elas. Posso ficar tranquila.
Estou com um sorriso no rosto. Gostaria de espalhar alegrias na cidade tão cinza, tão triste. Obrigada a você, pessoa que não me conhece, mas sempre me respeitou. Amor é isto também: solidariedade. Obrigada por existir. Desejo-lhe toda a felicidade do mundo.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
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