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O que nos aproxima
Nos afasta
O que nos afasta
nos aproxima
Nas imensas cidades
invejamos aos postes
que nunca adoecem
que nunca se desencantam
que jamais sangram
queremos nos tornar postes
mas até o fim
somos demasiadamente humanos
tão imperfeitos
que os deuses que inventamos
às vezes se comovem conosco
domingo, 15 de abril de 2012
O Paraiso em Evora
Sua mãe sempre comprava para ela lindos guarda-chuvas infantis.
Tinha seis meses, apenas um bebê, quando a fotografaram agarrada com um de Cogumelos coloridos. Com um ano, estava carrancuda displicentemente segurando um que tinha uma cabeça de Mickey. Com três, sorria novamente e dançava com um de tranças, que a mãe chamava de Rapunzel. O mais lindo era o de um sapinho verde, que a acompanhou espantosamente por dois anos a fio.
Ismênia não lembrava direito como, mas sabia que perdera um por um. Sabia disso não de ouvir a mãe contar e sim porque cada vez que um se ia, chorava por horas e ela lembrava muito bem de suas choradeiras infantis. Detestava bancar o bebê chorão, mas não conseguia se controlar. No sapinho verde, a menina, pequena demais para ser chamada de sensata, pediu à mãe que não comprasse mais guarda-chuvas tão bonitos já que ela perdia todos.
Mães insensatas, filhas ajuizadas, Cleo, a mãe, cometeu a imprudência de comprar mais um lindo guarda chuvas para a filha. Desta vez, era transparente com bordas de bolinhas coloridas.
Ismênia bem que tentou resistir. Recusou-se a ir para escola usando aquele guarda chuvas que era ainda mais lindo que o de sapinho porque parecia uma versão em guarda chuvas de um desenho de vestido que estava fazendo há dias. Mas era demais para uma menina de seis anos que adorava chuva só para poder brincar com os seus guarda chuvas e após três dias de recusa, cedeu.
Infelizmente, o destino deste não foi lá muito diferente do dos demais, embora a este ela tenha conseguido desenhar. A intenção era coloca-lo como um acessório obrigatório da roupa que tinha bolado agora, um vestido que além de vestir podia se transformar em paraquedas em caso de você se ver numa situação de alturas extremas e chãos inevitáveis. Se sua avó usasse um destes, não teria quebrado a perna no metrô há um mês atrás, num dia de chuva que escorregou na escada. Antes tarde do que nunca, Is bolou a solução para este tipo de problemas com este vestido elegantíssimo e utilíssimo.
Quando ficava triste, Is se lembrava de todas as muitas coisas que não entendia. Não entendia por exemplo, por que sua mãe havia posto nela este nome tão esquisito, pra começar. Quando perguntava, sua mãe, psicanalista do Círculo Psicanalítico respondia que Ismênia era a filha querida de Édipo, um grande rei da antiguidade e não falava mais nada sobre o assunto. Extremamente irritante este tal rei e esta tal sua filha.
Ora, quem quer saber de reis podendo se chamar Carol, ou Mariana ou mesmo Isabel? Isabel era até meio parecido com Ismenia, se tirássemos todas as letras menos o I e o S. Segundo não entendia porque sua mãe não podia ser como todas as outras mães que deixavam suas filhas assistirem tevê. Aos seus seis anos de idade, Is já tinha um caderno completo de perguntas sem resposta, além de uma pasta repleta de desenhos de vestidos de alta costura, inspirados pela revista francesa que sua avó lhe dava semanalmente. Haute Couture, se dizia com um biquinho em frances.
Para onde vão os guarda-chuvas desaparecidos?
Esta era sua primeira pergunta no seu caderno de perguntas sem respostas.
O tempo passou, Is se tornou uma famosa estilista- continuou seus desenhos de vestidos, até que os vestidos viraram vestidos de verdade e geralmente vinham acompanhados por belíssimos guarda chuvas.
Quando Ismenia tinha trinta e cinco anos produziu um desfile em Evora onde o cenário era todo de guarda chuvas.
O paraíso dos guarda chuvas onde todos os dias eram azuis.
Ismenia agora se chamava Isabel. E continuava não entendendo sua mãe.
foto: Graça Garcia
publicada no site Olhares
terça-feira, 10 de abril de 2012
Deus Segundo Spinoza
Deus segundo Spinoza
“Pára de ficar rezando e batendo no peito! O que Eu
quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu
quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu
fiz para ti.
Pára de ir a certos templos lúgubres, obscuros e frios
que tu mesmo ergueste e que acreditas serem a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios,
nos lagos, nas praias e no coração das pessoas. Alí é onde eu, de
fato,
vivo e ali expresso meu amor por ti e por todos.
Pára de me culpar da severidade contigo: Eu nunca te
disse que há algo mau em ti ou que és um pecador, ou que tua
sexualidade é algo mau. O sexo é um presente que eu te dei para
expressares teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Pára de ficar lendo somente supostas escrituras que mais
têm a ver com ignorância e miséria humanas do que com minha grandeza e
bondade. Há de ler-me num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus
amigos, no teu filhinho...
Sim, me encontrarás em um bom livro, numa poesia, numa
obra de arte e, quem sabe, em um mendigo,num enfermo, num injustiçado,
numa folha seca.
Confia em mim, pede a ti mesmo. Ter medo de mim? Eu não
te julgo, nem te critico, não me irrito, nem te incomodo nem castigo.
Amor eu sou, puro amor.
Pára de me pedir perdão. Se Eu te fiz... eu te enchi de
paixões, de limitações e prazeres, de sentimentos, de necessidades, de
incoerências e fragilidades. Como posso te culpar se respondes a algo
que eu pus em ti? Como posso te castigar por ser como és,
se eu sou quem te fez? Meu nome é Compaixão.
Crês que eu seria capaz de criar um lugar para punir
filhos meus, pelo resto da eternidade, só porque não deram conta de se
comportarembem? Que tipo de Deus poderia fazer isso?
Esquece qualquer tipo de lei com artimanhas, a fim de
manipular-te para te controlar com castigos. Respeita teu próximo e
não faças a ele o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é
que prestes atenção à tua vida, que teu estado de alerta seja teu
guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo
no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é
o único tesouro que há, aqui e agora; isto é o único de que precisas
para crer em mim e receber da vida.
Eu te fiz livre, isto é, relativamente responsável. Não
há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém preenche
um placar. Ninguém leva um registro.Tu és condicionalmente livre para
fazer de tua vida uma dádiva ou uma ameaça, um céu ou um inferno.
Eu não te posso dizer se há algo depois desta vida, mas
posso te dar um conselho. Viva como se não houvesse... Como se esta
fosse tua única oportunidade de existir, de aproveitar, de amar.
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei,
sendo correto e vivendo feliz.
E se houver, tem certeza de que eu não vou te perguntar
se foste comportado ou não. Só vou te perguntar se tu gostaste: se te
divertiste e do que mais gostaste? O que aprendeste? O bem que
fizeste?
Pára de apelar para mim - isto é supor, adivinhar,
imaginar. Eu não quero que, assim, acredites em mim. Quero que me
sintas em ti.
Sim, quero que me sintas em ti quando beijas tua amada,
quando agasalha tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando
tomas banho no mar.
Pára de me louvar! Que tipo de Deus ególatra tu
acreditas que eu seja? Aborreço-me quando me pedem desculpa. Canso-me
quando me agradecem. Tu te sentes grato? Basta isto.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o
que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que
estás vivo e que este mundo está cheio de maravilhas.
Demonstra-o, cuidando de ti, de tua saúde, de tuas
relações, do mundo. Te sentes olhando, surpreendido, admirado?
Expressa tua alegria! Este é o jeito, o único, de me louvar.
Entendeste?
Para que precisas de mais milagres? Para que tantas
explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro
de ti, nos outros, nas coisas e, sobretudo, nas relações que vives. Aí
é que estou, sempre estarei, abraçado contigo.
Baruch Spinoza.
Filósofo
1732 - 1777
domingo, 8 de abril de 2012
o errado às vezes é o certo
A grafia da luz também é a grafia das sombras
Me interessam mais as cores do que a nitidez
a incisão cortante do sol sobre a flor do impossível
a poesia esquecida num canto da sala
- ninguém vê
Me interessam os restos
os rastros
os traços
as miragens que a vida cansa de nos oferecer
enquanto nós fazemos filas para pagar as contas
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Amor e Paciência
Duas palavras com significados diferentes, tão mais distintos quanto mais fugazes os tempos. Será mesmo que são tão diferentes?
Imaginemos uma mãe que decidisse que seu bebê hoje já deveria falar, escrever, quem sabe já ter cursado a universidade. Que espécie de mãe seria esta que exigisse do filho a velocidade que apenas o pensamento é capaz? Haveria qualquer afeto em alguém tão ansioso de resultados?
O amor se prova também pelo número de vezes que repetimos uma mesma história e pelo número de vezes que revendo o olhar inocente de nossos filhos nos deleitamos com isso, mesmo já tendo sido visto e revisto tantas vezes.
O amor é sobretudo repetição e capacidade para se encantar como se fosse tudo pela primeira vez.
Amar ao filho. Ou às velhas canções. Ou às mesmices dos amigos. Amar é repetir-se tantas e tantas vezes que de tanto repetir-se no encantamento um dia deparamos com o mistério de uma vida inteira.
Não se ensina a amar, por certo.
Quem serão os afortunados- ou apressados- que podem afirmar antes do fim da jornada que o que sentiram de fato foi amor?
Amor é um sentimento cuja certeza é póstuma.
Nossas declarações de amor são abracadabras para abrir as portas do coração à uma intuição. Intuimos o amor, às vezes corretamente, outras nem tanto. O amor no presente é intuição, instinto, elocubração.
Dizemos "eu te amo" com uma boca enquanto em algum outro ponto de nosso ser nos indagamos- quase que silenciosamente: será isto realmente amor? Se eu repetir muitas vezes que é amor, será que isto passa a ser amor? Se eu acredito que é, será que passa a ser? Existe mesmo um verdadeiro amor ou todo amor que assim se nos desvela é amor?
Aos jovens amantes- e todo amante é jovem, mesmo que com 60 anos biológicos- meu único conselho é: jamais aceitem conselhos. Podemos aprender técnicas de beijo na boca, técnicas eróticas, mas nunca ninguém poderá afirmar nada significativo, nada de realmente revelador sobre a única coisa que será sempre mistério e poesia. Até o fim dos tempos. Até que pereça o último homem. Que por falta de companhia, aprendeu a amar às nuvens.
Pacientemente. Foi com extremo cuidado e afeto que ele ensinou aos olhos o segredo da luz na sombra da mais evanecente nuvem. E ao dar seu último suspiro sonhou ser um pássaro, mesmo sem jamais ter conhecido nenhum.
Por amor.
Imaginemos uma mãe que decidisse que seu bebê hoje já deveria falar, escrever, quem sabe já ter cursado a universidade. Que espécie de mãe seria esta que exigisse do filho a velocidade que apenas o pensamento é capaz? Haveria qualquer afeto em alguém tão ansioso de resultados?
O amor se prova também pelo número de vezes que repetimos uma mesma história e pelo número de vezes que revendo o olhar inocente de nossos filhos nos deleitamos com isso, mesmo já tendo sido visto e revisto tantas vezes.
O amor é sobretudo repetição e capacidade para se encantar como se fosse tudo pela primeira vez.
Amar ao filho. Ou às velhas canções. Ou às mesmices dos amigos. Amar é repetir-se tantas e tantas vezes que de tanto repetir-se no encantamento um dia deparamos com o mistério de uma vida inteira.
Não se ensina a amar, por certo.
Quem serão os afortunados- ou apressados- que podem afirmar antes do fim da jornada que o que sentiram de fato foi amor?
Amor é um sentimento cuja certeza é póstuma.
Nossas declarações de amor são abracadabras para abrir as portas do coração à uma intuição. Intuimos o amor, às vezes corretamente, outras nem tanto. O amor no presente é intuição, instinto, elocubração.
Dizemos "eu te amo" com uma boca enquanto em algum outro ponto de nosso ser nos indagamos- quase que silenciosamente: será isto realmente amor? Se eu repetir muitas vezes que é amor, será que isto passa a ser amor? Se eu acredito que é, será que passa a ser? Existe mesmo um verdadeiro amor ou todo amor que assim se nos desvela é amor?
Aos jovens amantes- e todo amante é jovem, mesmo que com 60 anos biológicos- meu único conselho é: jamais aceitem conselhos. Podemos aprender técnicas de beijo na boca, técnicas eróticas, mas nunca ninguém poderá afirmar nada significativo, nada de realmente revelador sobre a única coisa que será sempre mistério e poesia. Até o fim dos tempos. Até que pereça o último homem. Que por falta de companhia, aprendeu a amar às nuvens.
Pacientemente. Foi com extremo cuidado e afeto que ele ensinou aos olhos o segredo da luz na sombra da mais evanecente nuvem. E ao dar seu último suspiro sonhou ser um pássaro, mesmo sem jamais ter conhecido nenhum.
Por amor.
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