sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Cabeça e o Pé


Qual é o pé da coisa? E a cabeça? Por que todos dizem que algo está sem pé nem cabeça se jamais alguém soube qual era o pé ou a cabeça das coisas?


O mundo gira mal, comigo nele ou sem. Aviões caem, a ONU foi bombardeada, absurdos acontecem:a cada instante. Tenho um filho de 16 anos, e gostaria de deixar para ele uma herança melhor do que buraco na camada de ozônio ou do que crenças estranhas de que o mercado é algo racional que regula a si mesmo.

Se todos nós estamos fazendo o melhor possível, por que tudo parece tão errado? O ar cheira mal, era para o ar nem ter cheiro, mas tem. A água está acabando, mares e rios imundos. Dizem que em cinqüenta anos se todos continuarem no ritmo de consumo atual, a Terra sozinha não dará conta: precisaremos de cinco iguais a esta. E no entanto, a maioria mal tem seu quitinete pra chamar de seu. Seu lugar ao sol. Sol que dá câncer.

Alguém está fazendo de menos e gastando demais. Serei eu, será você, será o presidente? A culpa é sempre do outro? Minha vida me pertence? As escolhas, sou eu que as faço ou eu acredito fazer escolhas porque me levam a acreditar que isto que aqui está sou eu?

Temo ficar maluca e nunca chegar a canto algum. Maluca já sou. Cantar já canto, um canto já tenho. O que me falta? Nada. Sobra. Sobram quilos, gordura, bobagens na cabeça, bobagens no corpo.

O sol lá fora. Tomara que meu filho esteja bem e que esteja no Aterro jogando futebol. As melhores coisas não custam um tostão. Por isso mesmo, mal damos a elas o valor que estas têm. Salvo quando acabam. Daí que a sabedoria invariavelmente chega tarde demais.

Como dar estas notícias para meu filho?

Ele não precisa destas notícias. Eu sim. Preciso desfazer o nó que me prende a este grande circo de mentiras. A mentira do eu. A mentira do outro. A mentira do mundo. Só existe aquilo em que toco, aquilo que vivo, o momento presente. Tudo o mais são suposições e notícias de segunda mão. Quem lê tanta notícia? Sem lenço nem documento? Não dá para chegar nem na esquina. Tempos muito estranhos estes nossos.

Encontrei uma rádio legal on line. Foo Fighters, Sound Garden, a lot of English is spoken. Que posso fazer? Adoro rock. Sorry preciosistas da cultura nacional. Eu sou metade eu, metade The Beatles, na sua versão atual, bem mais hard.

Vi a foto do atual líder espiritual dos sufistas. Eis que é um bonitão. Como a bonitona da Gurumay. Vivemos num tempo em que o apelo é todo visual. Cantoras são jovens, gurus são jovens, todos os que aparecem na mídia são jovens e praticamente não importa o que você faz e sim que você apareça na mídia. E portanto, juventude para sempre, morte jamais. Estranho, muito estranho mundo.

Tomara que meu filho jamais pense tanta bobagem como a senhora mãe dele. Mães são sempre putas porque em algum momento todos somos os filhos da puta. Pra ele, tudo isso é natural e ele não precisa pensar para saber das armadilhas do pensamento, da língua e da cultura.

No tempo das cavernas já existia a neurose ou a neurose veio junto à palavra? Se a neurose veio junto à palavra, meu filho vive num mundo melhor porque a palavra tem cada vez menos valor. A neurose vai acabar quando acabar a palavra? Quando acabará a palavra? Quando não houver mais sentido em falar?

O começo está próximo. Não o fim. Felizes os que verão o regresso do mundo. Tomara que alguém tenha anotado o DNA dos pandas, das baleias. Alguém anotou a placa do carro que me atropelou?

Um dia eu fui. Depois será você.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Faixa de Gaze


Quando o amor acaba, é como se Deus me houvesse abandonado. Sinto-me tão irreal que tanto poderia matar quanto me matar. Se não sou real, nada tem conseqüência, nada tem substância, portanto, ninguém se fere, eu pulo do alto da ponte e simplesmente o chão não chega. O tempo não passa, o tempo pára no momento de espalhar todas as pedras que um dia construíram meu ser. Não sou um edifício. Sou um ninho. As pedras? Não são mais pedras. São galhos, são folhas. Não existe mais mágoa. Existem quando muito penas, que se fazem asas, que se faz um pássaro que cai de um céu que se estilhaça quando o sol nasce. Uma voz canta na distância, uma imensa distância que se faz entre aquilo que aqui digito e aquilo que foge de mim e mal tenho como avistar.

São felizes os que amam ou justamente estes são os mais desgraçados sobre o planeta? Os cínicos nunca se apegam, são cínicos. Riem das desgraças alheias, desrespeitam a si mesmos e a todos porque em nada acreditam. Por que agem assim, por que não acreditam na própria dor? Porque não a sentem. Morre-lhes o filho único e eles irão para o bar beber. No máximo um porre atesta a morte. Foge-lhes a mulher com o vendedor de biscoitos? Ora, há malas que vão para Belém. O amigo que se vai? Nunca esteve não faz diferença.

O cínico é um canalha. O cínico é um monge zen. O que sei eu dos canalhas, dos monges ou do zen?

Em algum lugar, agora neste instante, uma velha senhora assiste a morte de seu filho único. O pavor nos olhos do filho. Nenhuma canção jamais embalará estes dias que lhe sobreviverão. Esta senhora manterá os olhos arregalados e sua dor é tanta que não cabe em suas lágrimas. É dela que ouço o gemido e aqui deixo o traço. Há dores que preferimos jamais parar de sentir. Se pararmos, será como se aquele que amamos tanto e que não mais existe jamais houvesse.

Ela sou eu, a Faixa de Gaza está em todo lugar. Será que os passarinhos cantam por lá? Aqui sim. Lá não há quase passarinhos, pois é um deserto. Será que vale a pena lutar por um deserto? Deserto povoado de crenças sobre um Deus que a todos abandona. O Deus dos desertos, muito diferente do Deus das cachoeiras. Nosso Deus, Tupã. Talvez aqui, o amor seja mais do que pó. Ou seja pó, mas um pó apaixonado. Cubro minha nudez com gaze. Uma só faixa. Será que valho à pena? Eu sou o pássaro e seu vôo.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Definitivamente Indefinível


Estendo minhas pernas e estico meus pés em ponta. Estico meus braços até o alto. O espaço que ocupo na cama é muito maior do que qualquer poema que escreva. Se nós dois estivéssemos sobre esta cama que aqui ocupo agora, teríamos de escrever um livro e mesmo assim, não caberíamos nas letras.

O vigor com que te abraço não cabe na palavra vigor. O silêncio que pesa hoje sobre meu coração não há verso nem frase simples que contenha. Por mais belos que sejam livros e poemas, os corpos dos amantes sempre serão alheios a isso. Devoraremos outras coisas, que não são palavras.

Não há exercício literário que faça jus a um único e simples olhar. Por mais proezas que um escritor faça, nenhuma delas chegará nem perto do mais bem comportado gemido.

Os que falam enquanto amam sempre se calam. Até os que fazem só sexo também silenciam. O olho no olho enquanto a mão acaricia sua testa suada: há palavra que traduza este gesto simples que ocorre no meio de uma foda? E a palavra foda, será capaz de ter a força e a indecência do meu peito em tua boca ou das minhas mãos acariciando seus culhões?

O vento passeia pela casa e pequenos sinos tocam. Logo depois, o grande sino da igreja.

Em todo o corpo há alegria e fatalidade. Ainda não sei de cor teu cheiro. E o bem te vi canta. Eu sei que você já foi embora. Aliás, acho que você nem chegou.

Será que a alegria dos encontros compensa a tristeza dos adeuses? Cada um terá uma resposta, mas nenhuma resposta que se dê caberá no instante da dor indizível ou da alegria, igualmente intraduzível. Palavras, toscas palavras. Fotografias, meras vãs tentativas de imortalizar o instante. Filosofias, filósofos, poetas- mania do ser humano de tentar fazer caber tudo em uma coisa que vire bagagem.

Há coisas que nos marcam. Mas nunca serão contidas, seja em pensamento, seja em objetos. Por um segundo, vi algo parecido com amor no escuro dos teus olhos escuros. Você, dentro de mim, me amou. Mesmo que por um único instante. Aquilo não era exercício filosófico nem aeróbico. Aquilo era uma vastidão.